José Correia Guedes nasceu na cidade do Porto em 1946, e fez dos céus o seu “local” de trabalho. Apaixonado por automóveis não conseguiu cumprir o sonho de menino de ser piloto de Fórmula 1, mas confessa ter tido um êxito interessante como músico de rock & roll com a Banda “Os Kondes” que contava entre outros rapazes com Fernando Gomes que viria a tornar-se Presidente da Câmara Municipal do Porto. Embora apaixonado pela área das letras e Humanidades, o seu percurso académico passou pela Engenharia, a música, a paixão pelos automóveis continuaria a captar mais a sua atenção. Foi mobilizado para África durante dois anos e quando regressou tentou a sorte inscrevendo-se na TAP, depois de ser “bombardeado” com a publicidade de uma cadeira do cockpit “Este lugar pode ser ocupado por si”. Na altura, a Transportadora Aérea Portuguesa não dava vazão a tantas deslocações e precisava de pilotos. Inscreveu-se também para Comissário de Bordo e foi aí que começou a viajar e a conhecer o mundo. Rumou aos Estados Unidos da América onde fez o curso do piloto e esteve praticamente quarenta anos em trânsito. Foi sequestrado, escreveu dois livros “Na Rota do Yankee Clipper” e “O Aviador” onde reune 20 histórias com finais cómicos e felizes, uma obra para aerofóbicos. Os que conseguem “voar sem medo” tornam-se viajantes compulsivos. Transportou a equipa do FCP em 2004 trazendo a taça para o Porto. Foi o primeiro comandante da aviação a mudar o “callsign” de um voo para “CHAMPS”. São muitas histórias, e que poderão saber um pouco mais! Quanto a nós, foi uma honra voar consigo, Comandante José Guedes!
FA – Caro José Correia Guedes, de todos os preparativos para uma viagem, quais até aos dias de hoje considera indispensáveis?
JG – Quando trabalhava, era o repouso. Agora tento não me esquecer dos medicamentos!
FA – Numa recente entrevista a Rui Unas no seu podcast “Maluco Beleza” disse não ter saudades de voar. Recorda-se da última viagem como Comandante?
JG – O meu último voo foi do Rio de Janeiro para Lisboa. Aterrei ao nascer do dia debaixo de uma enorme tempestade. A chuva e o vento eram de tal forma intensos que só nos últimos instantes consegui ver a pista. Uff, que alívio!
FA – Quando alguém novo lhe pede conselhos para uma carreira serena na aviação, que guidelines consegue dar?
JG – Penso que nestes tempos que atravessamos já não há “carreiras serenas”. A receita, porém, é sempre a mesma: estudar muito, conhecer bem o avião, respeitar os colegas.
FA – A primeira viagem como piloto é como o primeiro amor, não se esquece?
JG – Lembro-me do primeiro amor, mas não da primeira viagem como piloto. Mas lembro-me muito bem da primeira vez que voei sozinho num avião de treino. Essa é que nunca se esquece.
FA – As noites em claro são o pior da vida de um piloto?
JG – Não! Os fusos horários fazem muito mais estragos. De resto, até gostava de voar de noite.
FA – Como é tomar o pequeno-almoço em casa e três horas depois (sensivelmente) almoçar numa capital como Paris?
JG – Qualquer passageiro pode fazer isso. Com a aviação, o mundo ficou muito mais pequeno.
FA – Viajando atrás no tempo, houve algum tempo em que se tenha arrependido da escolha que fez?
JG – Nunca. Eu não escolhi nada; tive a sorte de ser escolhido. A minha gratidão será eterna enquanto viver (esta roubei ao poeta Vinicius).
FA – É uma das vozes mais cativantes que já tivemos oportunidade de ouvir e um contador de histórias nato. Alguma vez foi convidado para fazer um anúncio publicitário?
JG – Sim. Fiz alguns anúncios na década de 80. Eram muito bem pagos e eu divertia-me com aquilo.
FA – É um confesso apaixonado por música, literatura e viagens. Que livro sugere para uma viagem entre Lisboa e Nova Iorque?
JG – Posso recomendar “O Aviador”? Em alternativa sugiro “Na Rota do Yankee Clipper”, do mesmo autor (Não há entrevistas “à borla”, sabia?)
FA – Voltando aos tempos de meninice do Porto e Vila do Conde, que sonhos tinha o menino José?
JG – O menino José queria ser músico de rock and roll e, mais tarde, piloto de Fórmula 1. Consegui ter uma carreira minimamente interessante como músico, mas falhei estrondosamente o objectivo da Fórmula 1.
FA – Alguém com uma ligação especial ao Porto, como descreve o desafio proposto do chefe de frota para levar o A-330 até Gelsernkirschen?
JG – Era um A340. Uma proposta irrecusável. O Porto é a minha cidade natal e o FC do Porto o único clube de futebol de que fui sócio. Além disso, algo me dizia que aquele podia ser um momento histórico. Foi mesmo!
FA – Tem de memória quantos ilustres levou às nuvens?
JG – Não faço ideia. Transportei centenas de milhares de passageiros de todos os meios e condições sociais. Para mim sempre foram iguais. Eram apenas pessoas que tinha temporariamente a meu cargo.
FA – Estar a trinta e cinco mil pés de terra firme, fá-lo ter uma ligação especial com Deus?
JG – Pensei muitas vezes nisso, em especial durante as longas viagens nocturnas. Olhar para a vastidão do Universo e não entender nada do que por lá se passa, levanta questões angustiantes.
FA – Os programas televisivos que abordam os desastres aéreos são (a seu ver) um programa proibido para os aerofóbicos?
JG – Não, de todo. Acho apenas um paradoxo que alguém que tem medo de voar se divirta a ver programas sobre acidentes aéreos. Mas já me disseram que essa é uma forma dos aerofóbicos justificarem os seus medos. Faz sentido!
FA – A melhor forma de vencer um medo é combatê-lo. Que conselhos dá a quem o contacta e que adorava conhecer um paraíso como a Madeira?
JG – O medo de voar é irracional e não se combate com estatísticas. Têm que ser as pessoas a vencer os seus próprios medos. Costumo dizer que ter medo é um bom sinal: é o nosso instinto de sobrevivência a funcionar. Conheço casos de pessoas que uma vez vencido o medo de voar se transformaram em viajantes compulsivos. Os psicólogos sabem explicar o fenómeno.
FA – De todos os aeroportos em que esteve, qual o mais confuso? E o mais moderno?
JG – Confuso? Lisboa, em pleno verão. É o caos absoluto. Nos mais modernos escolheria o Dubai.
FA – Num voo turbulento, o que é para si pior ter: um passageiro em pânico ou uma assistente de bordo inexperiente?
JG – Nunca me aconteceu ter uma Assistente de Bordo com medo de turbulência. Tratando-se de passageiros, às vezes uma visita ao cockpit resolve o problema.
FA – Se pudesse voltar atrás no tempo, que pergunta faria ao Almirante Gago Coutinho e a Sacadura Cabral?
JG – Como conseguiram localizar os penedos de S. Pedro e S. Paulo no meio do Atlântico? Com a tecnologia da época, isso não foi uma façanha, foi um prodígio. Têm toda a minha admiração.
FA – Depois do momento do sequestro nos anos 70/80, que momento intenso não esquece?
JG – Gelsenkirchen foi um deles. Uma viagem à Austrália para levar tropas para Timor, foi outro. E mais alguns que não posso contar.
FA – Como se sente por ter sido o primeiro comandante a fazer uma alteração no “callsign” do voo “TP9224” para “CHAMPS”?
JG – Um orgulho muito grande. Às vezes tenho boas ideias.
FA – Como está a ver o regresso do futebol aos estádios sem público?
JG – Futebol sem público é como cozido à portuguesa sem carne. Não tem a mínima graça.
FA – Ainda no mundo do futebol, em 1983 que lhe disse Eusébio da Silva Ferreira a caminho de Roma?
JG – Está tudo bem por aqui, pá?”. O King detestava voar e só no cockpit se sentia seguro. Ainda bem para nós, porque era uma fantástica companhia.
FA – A revista “Sirius” é a menina dos seus olhos?
JG – Não, mas tenho muito orgulho em ter sido um dos fundadores e o primeiro director adjunto.
FA – O “Piratinha do Ar” continua a dar notícias?
JG – Sim, falamos de vez em quando. Gosto de acompanhar os sucessos que vem tendo na vida.
FA – Fernando Gomes teve tanto êxito nos “Kondes” como na Câmara Municipal do Porto?
JG – “Cantava” melhor na CM do Porto porque não tinha de me aturar. Penso que foi ele que deu início à enorme e muito bem sucedida transformação da cidade do Porto, hoje uma das mais bonitas e interessantes da Europa.
FA – Num podcast ligado à aviação, que três pessoas convidaria para uma hora e meia de conversa?
JG – Comandantes Silva Soares, John Casqueiro e José Gil Menezes. Infelizmente já nenhum se encontra entre nós. As três personalidades mais fascinantes que conheci em toda a minha carreira na aviação.
FA – Uma noite ao piano corresponde a uma viagem transatlântica?
JG – Uma noite ao piano é uma noite de paz e elevação. Não chegamos ao fim cansados e com as horas trocadas.
FA – O Porsche 356 tem histórias para fazer um novo livro?
JG – Já fiz. Existe uma História dos Porsche 356 em Portugal que escrevi em colaboração com Luís Sousa. Está online.
FA – Para terminar, e sendo o Comandante José Correia Guedes uma pessoa ligada à área das Humanidades e das Letras, que poema guarda na memória?
JG – “Quando morrer quero voltar para viver os momentos que não passei junto do mar”, Sophia de Mello Breyner.
FA – Se um fã lhe oferecesse uma viagem para dois à escolha, que destino escolheria?
JG – Costumo ter azar. Há muitos anos, numa tômbola de golf, ganhei um fim-de-semana no Funchal. Na altura viajava umas 50 vezes por ano para a Madeira e conhecia a cidade como as minhas mãos. Troquei com alguém que tinha ganho uma subscrição de um jornal inglês. Ficámos ambos felizes!
FA – Obrigado por esta conversa!
JG – Foi um prazer.
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Quatro anos depois da morte daquele que é considerado por muitos como um dos maiores poetas portugueses contemporâneos, a Quetzal Editores publica um inédito com poemas de Vasco Graça Moura, como uma forma de continuar a recordar uma das grandes vozes da poesia e da literatura do nosso tempo. “A puxar pelo sentimento: Trinta e um Fadinhos de Autor” chega às livrarias a 14 de Setembro.
Marcados pelo seu génio melancólico e pleno de ironia, este precioso inclui um bom número de fados inéditos de Vasco Graça Moura, que escreveu alguns para as vozes de intérpretes como Mísia, Kátia Guerreiro ou Carminho. São poemas maravilhosos que, só por si, constituem uma homenagem ao fado e uma contribuição literária para abrir (ainda mais) as suas portas.
“… Talvez digam que exagero
Se ponho as coisas assim
acreditem, cá por mim,
A contá-las bem me esmero
Porque te quero e me quero
Recordar daquela flor
que condiz com o conceito
da nossa vida a preceito:
sou o teu amor perfeito
és o meu amor-perfeito
Tantas foram as vezes que atravessou a ponte só para lhe dizer um olá. Naquele dia passou para dizer adeus. Prometeu a si próprio não voltar àquela loja, lembrava-se de tudo (o que tinha deixado) para trás.
E sempre que regresso é como se fosse um encontro às cegas, acabo sempre por me surpreender.
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