O que chama a atenção do público num vídeo ou num áudio é a colocação de voz, a postura, a naturalidade, o sorriso. E algumas vezes – intromissões de felinos – depois uma montanha de livros e a capacidade de nos fazer viajar pelas palavras de autores consagrados e outros pura (e simplesmente) desconhecidos. Já dei por mim a comprar um livro sugerido pela Roberta, e não me arrependi. Contactá-la foi mais do que um objectivo, não só por falarmos a mesma língua mas por partilharmos paixões inexplicáveis, como o Porto.
Roberta Frontini nasceu no sul de Itália, no paraíso da pasta, do risotto, da doce Julieta. Com formação na área da psicologia e investigadora na área da Saúde, Roberta lançou há quase uma década o projecto FLAMES_MR com uma amiga. Baterista nos tempos em que não se deleita por palavras de Agatha Christie ou Tânia Ganho (de quem leu o último “Apneia” e adorou) e é uma adepta dos nasceres do dia no Alentejo, por onde passou este verão de 2020. Por vezes viaja ao Porto para matar saudades (ah! sim, e levar mais um livro para a sua vasta biblioteca).
FA – Roberta, o que fica de um livro? A primeira frase, o primeiro acontecimento marcante ou a última palavra?
RF – Cada livro é único. Não saberia responder. Há livros onde o que me toca é a escrita. Noutros a história… depende muito.
FA – Apaixonada pelas letras desde cedo, ou foi uma paixão que surgiu com o avançar da juventude?
RF – Desde cedo. Provavelmente a culpa é da minha mãe que sempre leu muito. Por outro lado, também me lembro do meu pai me ler (e inventar) algumas histórias. Tenho vídeos meus onde ainda não falava, com livros na mão (virados de pernas para o ar!!) e eu a ler (a inventar sons na verdade) em voz alta.
FA – Em algumas fases dos livros (fruto da tua formação) defines um perfil mais pormenorizado da personagem que o autor?
RF – Sim… acho que sim. Não é bem um perfil, mas quando aparece uma personagem com uma perturbação mental é comum eu escrever alguns dos critérios de diagnóstico de lado. Mesmo que a personagem não tenha um diagnóstico definido eu costumo sublinhar e colocar de lado o nome da possível perturbação /ou o sintoma.
FA – De todos os autores que admiras, a qual gostarias de fazer duas perguntas difíceis?
RF – Talvez ao Charles Dickens e à Agatha Christie, mas já não o poderei fazer nesta vida (sorrisos!)
FA – É mais difícil ler um livro complexo ou explicar a paixão pelo Porto?
RF – Boa questão (sorrisos!), não sei bem porque a cidade do Porto mexe tanto comigo. Acho-a linda, e as pessoas são maravilhosas!
FA – Se fizermos uma passagem (atrás no tempo) que Roberta vês numa moldura da cómoda da avó?
RF – Fotos de uma menina sempre sorridente mas com um olhar tímido…
FA – Com raízes em Itália, que sensações experimentas numa cidade como Verona?
RF – Eu nasci no sul da Itália, por isso todas as minhas viagens ao norte (Verona, Milão, Brescia, Bergamo, etc.) me deixaram um pouco… insatisfeita (tirando Veneza). Por exemplo, em termos de comida, fiquei um pouco desgostosa. Mas Verona foi uma agradável surpresa até…
FA – Leva-nos agora ao filme “Letters to Juliet”. Partirias numa aventura como a doce Sophia?
RF – Olha, esta pergunta lembrou-me a minha ida a Verona. Na altura em que fui a Verona foi inserido numa viagem que fiz com o meu pai ao norte de Itália. Não estava estipulado irmos a Verona. No avião meti um filme ao acaso e calhou o “Letters to Juliet”. Passado uns dias os amigos onde estávamos hospedes perguntaram se queríamos ir a Verona e eu disse logo que sim. Foi muito interessante estar na cidade depois de ter visto o filme. Mas respondendo à pergunta… claro que sim!
FA – Numa viagem por Itália, que obras te acompanhariam?
RF – Sou uma exagerada, quando vou de viagem levo imensos livros. Tenho o terror de ficar sem nada para ler. Mas quando vou a Itália geralmente não levo nenhum e vou comprando. Na minha última ida lá descobri os livros de Andrea Camilleri que, na minha opinião, devem ser lidos em italiano. O dialeto siciliano, a cultura, as comidas, e a atmosfera de mistério que os livros impregnam são aspetos maravilhosos. Um outro livro que acho adequado é “Pictures from Italy” de Charles Dickens que nada mais é do que um diário das suas viagens por algumas das cidades italianas mais importantes.
FA – O primeiro livro é como o primeiro amor? Não se esquece?
RF – Não… o primeiro livro não se esquece, sem dúvida! Lembro-me como se fosse hoje das sensações que senti com o meu primeiro livro! O primeiro amor já esqueci (sorrisos!).
FA – Perdes-te por uma série da Netflix ou trocavas facilmente por um conjunto de livros de autores que admiras?
RF – Perco, mas troco facilmente! Claro!
FA – No YouTube (entre as montanhas de livros apresentados) mostraste uma Graphic Novel de Anne Frank, fazendo uma viagem no tempo em que leste pela primeira vez. Há livros que voltarias a pegar?
RF – Sim… há imensos livro que eu gostaria imenso de reler. No entanto: “So many books, so little time”. Posto isto, devo dizer que estou a reler alguns livros da Agatha Christie e do Charles Dickens, e releio todos os anos “O Principezinho” (ultimamente tenho relido em outras línguas para variar um bocadinho).
FA – Aguardar por um livro e depois achar a sinopse bem mais interessante que o conteúdo, que sentimentos te invadem?
RF – Pois… publicidade enganosa… fico um pouco enraivecida, e é por isso que tento não as ler.
FA – Deste alguma importância à “polémica” de J.K. Rowling no que se refere à Livraria Lello e que afinal de contas não conhecia e nunca lá tinha estado?
RF – Não. Acho que há coisas bem mais importantes para se discutir nos tempos que correm.
FA – Numa maratona literária, o que é mais incomodativo? As mensagens no WhatsApp ou uma dor de cabeça?
RF – (sorrisos!) as perguntas incessantes que algumas pessoas fazem e que estão explicitamente explicadas nas regras. Bastava lerem as regras.
FA – Do projecto de entrevistas “O teu FLAMES num ano 2019” que conversas foram mais fáceis de conseguir?
RF – Adoro o projeto “O teu FLAMES num ano…”. Espero voltar a fazer em 2020. Não consigo nomear uma pessoa, mas gostaria de dizer que às vezes os autores/personalidades que achamos mais “inacessíveis” são os mais “fáceis”.
FA – A barreira de um milhão de visitas teve um sabor especial?
RF – Confesso que não porque eu sou extremamente despistada com estas coisas.
FA – Que principais entraves encontraram no início do projecto Flames?
RF – Chegar a mais pessoas. No início as redes sociais estavam a começar… por isso aumentar o número de seguidores era difícil. Lembro-me que passamos muito tempo com 6 seguidores…
FA – Na rúbrica “Lembram-se?” conseguimos ver que nem sempre a fama é uma coisa boa. Que história marcou mais?
RF – Tenho de repescar essa rúbrica. É das minhas rúbricas favoritas. Faz-me procurar e pesquisar coisas e faz-me ficar nostálgica. Acho que a história que me marcou mais foi a do “menino da Kinder”.
FA – Que voz convidariam para uma leitura encenada de poesia ou um conto?
RF – Uma pessoa que já faleceu… a minha voz favorita no mundo inteiro: Alan Rickman.
FA – Da esfera dos blogues, quais marcaram? E dos que fecharam, alguns disseste em silêncio “ainda bem…”?
RF – Nunca senti “felicidade” por algum blogue ter fechado… Na esfera dos blogues houve uma altura em que havia muita competitividade. Mas depois quando comecei a integrar-me na comunidade booktuber tive o sentimento contrário e acabei por esquecer um pouco isso. Os booktubers são muito mais simpáticos (desculpem a honestidade). Um blogue de que gosto particularmente é o “Livros e Papel” da Inês. Gosto muito dela.
FA – O silêncio para a leitura ou uma seleção musical distinta?
RF – Silêncio! Gosto demasiado de música e isso distrai-me.
FA – “Se eu pudesse…” – o que te vem primeiro à cabeça?
RF – Passava a vida a ler (muito óbvio, mas foi sincero).
FA – Um livro já foi o mote para um amor?
RF – O mote não… mas sem dúvida que tiveram um papel fundamental 😊
FA – Um dia perfeito tem literatura, Itália e um pedaço de Porto?
RF – Sem dúvida. E música. Mas queria aproveitar para dizer que estas férias tive o privilégio de conhecer melhor o Alentejo, e está a ganhar um espaço importante também no meu coração 😊
FA – Obrigado 🙂
RF – Obrigada eu!
Nasceu em 1986, na cidade da Maia, romântica, perfeccionista, apaixonada pela natureza e naturalmente pelos livros. Formada em Engenharia Eletrotécnica e Marketing, trouxe ao mundo aos trinta e três anos o “Esquece Quem Eu Sou”. Não a quisemos esquecer e foi com sabor a café e vista sobre o mar que se desenrolou a agradável conversa que agora disponibilizamos. Somos vizinhos e praticamente desconhecíamos, mas há algo que nos une: a criação do zero de uma personagem Rita e de um Ian que prometem fazer sonhar. É apaixonada pela cidade do Porto, fã de Miguel Araújo e quer virar a página na oferta literária “com bolinha vermelha” em Portugal. Sem mais demora, para o Sílabas & Silêncio a primeira conversa de 2020!
(Francisco Azevedo/FA) – Catarina, obrigado teres aceite esta conversa. Se o dia oito de fevereiro fosse um perfume, que aroma teria?
Catarina Gomes (CG) – Frésias.
FA – Deste vida à Rita e ao Ian. Como começou esta viagem literária?
CG – Esta viagem começou em outubro de 2017, num dia comum de férias de Outono em que não havia nada de interessante para fazer. Tinha acabado de ler uma série de romances eróticos ou New Adult, já que eram todos traduzidos, e fui à procura do mesmo estilo escrito em português. Não encontrei nada e não percebia porque é que ninguém escrevia nesse estilo. Então, pus-me a folhear os livros que tinha lido, pensando: “isto são cerca de 300 páginas, não é assim tanto… Ok, eu sou capaz”. Foi assim que nasceu o meu primeiro livro, da vontade de ler mais, e criei esta história para mim, para eu ler. E da vontade de representar um género literário que, em Portugal, é totalmente dominado por autoras americanas e do Reino Unido. Já não escrevia desde a adolescência, a não ser conteúdos científicos!
FA – Recentemente, no Facebook partilhaste um poema – um intemporal de Fernando Pessoa. O amor, para ti é “fogo que arde sem se ver…”?
CG – Quem me dera conseguir pegar nesse poema e reescrevê-lo, sob a minha interpretação. É algo que arde sem se ver, sim, mas não um fogo… é algo mais lento, mais ponderado.
FA – Barbara Walter diz que uma boa pergunta é aquela que a nossa mãe nos ensinou a nunca fazer. Que boa pergunta fizeste hoje? Ou nos últimos dias? Tens sempre resposta para uma pergunta que não gostasses que te fizessem?
CG – Na realidade, não há perguntas desconfortáveis para mim. Além disso, sou demasiado impulsiva, para ter uma resposta treinada.
FA – Determinação e ambição são características da Rita. Em que momentos te revês na personagem principal?
CG – Em todos! Mas, enquanto a Rita é determinada, eu diria que posso ser um pouco “obstinada”, para meu próprio mal.
FA – A Rua de Sá da Bandeira e a “Dama de Copas” têm mais valor para ti desde o dia oito?
CG – Sem dúvida! Tenho um carinho enorme pela Dama de Copas, pelas pessoas que lá trabalham e pela Inês Basek, Margarida Furst e João Coimbra. O dia 8, em Sá da Bandeira (Porto) e o dia 14, em Santa Justa (Lisboa), foram apenas mais um passo que demos juntos, numa jornada onde sinto que eles estão sempre ao meu lado.
FA – As viagens são cruciais para depois no sossego do lar criar uma personagem e viajar por outros mundos?
CG – “Esquece Quem Eu Sou”, baseia-se muito nas minhas vivências na cidade do Porto, aos dias de hoje. Mas, sim, novos lugares ajudam imenso a criar novas personagens e interação entre elas, nesses mesmos locais.
FA – Um romance que “… possui todos os ingredientes para nos envolver…”? Que traços da Rita transportas de forma inconsciente para o teu dia-a-dia?
CG – A sua determinação e perseverança, indubitavelmente. E, aproveito a pergunta para abordar outro tema. A Rita é muito segura, não tem medo de perseguir os seus sonhos, não tem vergonha de dizer o que sente, nem de si mesma. De certa forma, julgo que a maioria dos romances ainda apontam uma mulher insegura e dependente do amor de um homem ou de outra mulher para se afirmar. A Rita não é nada disso! E, subtilmente, quis passar, precisamente, essa mensagem. Todas as mulheres têm direito ao amor, independentemente do seu aspecto físico, da sua profissão, das suas ambições, etc… Acho que é esse o ingrediente que nos envolve. A mulher moderna irá rever-se na Rita; a mulher “antiquada”, quererá ser como ela.
FA – Que livro “com bolinha vermelha” mexeu mais contigo?
CG – Curiosamente, um que tem “bolinha vermelha” literal na capa, mas que não chega aos calcanhares de vários que li que não têm essa marca visível, mas que mereciam. Chama-se “Confia em mim”, de Jennifer Armentrout, uma autora que, na minha opinião, escreve sempre bem, independentemente do estilo.
FA – Em “Todo o azul do mar” há uma passagem que diz “… Foi assim, como ver o mar. A primeira vez que os meus olhos se viram no seu olhar. Não tive a intenção de me apaixonar. Mera distração e já era tempo de se gostar…”. É indissociável o mar do amor?
CG – Esse poema é lindo (olhinhos com corações). Apesar de gostar de alguma poesia, não sou nada poética, pelo contrário, sou muito literal. Portanto, não vejo qualquer relação entre ambos. As pessoas adoram exprimir o amor sob a forma de coisas belas, como o mar, o céu, o universo… sempre em escalas megalómanas! Apesar de adorar a natureza, prefiro descrevê-los através de bens terrenos e vulgares, como “gelatina”, “meias quentes”.
FA – Apaixonada pelas letras desde cedo. Quantos livros tens em casa?
CG – Espera, vou contar! Impressos, 89. O meu problema é não ter uma estante, tenho-os espalhados pela casa.
FA – Passando agora um bocadinho pela arte & ofício da escrita. Preferes o silêncio ou a mesma música?
CG – Silêncio!
FA – Assusta uma página em branco?
CG – Nada! Quer apenas dizer que é hora de começar a escrever!
FA – Criar uma obra do zero nunca é fácil. Que processo não prescindes / levaste em conta para o “Esquece Quem Eu Sou”?
CG – Vou batizar, agora mesmo, um processo de escrita. Chama-se o “processo do prazer puro” de viver noutra casa, noutra cidade, com outras pessoas, frequentar outros lugares.
FA – Foram quantos meses de escrita?
CG – Estás-me a envergonhar, Francisco! Escrita, propriamente dita, e construção da história, cerca de 15 dias com paragem para comer, banho e pouquíssimas horas de sono. Entrei na história de uma maneira que ainda hoje não sei como fui capaz! Depois, precisei de cerca de 1 ano, para limar tudo e dar um fim à história.
FA – A Rita, o Ian, o amor, as incertezas, os cenários… Quanto tempo povoaram a tua cabeça? Já depois do ponto final?
CG – Ainda povoam! 🙂 Adoro aquelas duas personagens, afinal vivi com elas mais de um ano e foram as primeiras.
FA – Não sais de casa sem um livro. Que livro estás a ler? Recomendas?
CG – Estou a ler “O Poder Surpreendente das Ideias Absurdas” e, sim, recomendo, para quem tem receio de sair da caixa, de vez em quando.
FA – As booktubers são muito populares no mercado brasileiro, mas aqui em Portugal há poucas. Quem segues?
CG – Honestamente, nenhuma, ainda. Só há poucas semanas, comecei a dar os primeiros passos no Instagram e conheci algumas bookstagrammers. Penso que ainda temos muito para crescer nesse campo, e, a respeito disso, talvez tenha novidades em breve. 🙂
FA – Se este livro (bonito design da capa!) tivesse uma banda sonora, que dez temas incluirias?
CG – Dez, Francisco!?
– Who are You? – SVRCINA
– Close – Nick Jonas ft. Tove Lo
– Elegy for the arctic – Ludovico Einaudi
– How would you feel – Ed Sheeran
– Antes delas dizer que sim – Bárbara Tinoco
– Tonto de ti – Miguel Araújo
– Hurt for me – SYML
– You – Two Feet
– Fleurie – Breathe
2 Notas
CG – Tenho de aproveitar para dar os parabéns e registar um “Obrigada” ao Gonçalo Cardal Pais, da Emporium Editora, que foi quem desenhou a capa. Não sei o que se passou na cabeça dele, mas é a janela para a história do livro, sem sombra de dúvida, e é a minha cara! Segunda nota: Miguel Araújo, porque o considero um músico e poeta brilhante e porque é da nossa cidade, e que bem que ele a descreve!
FA – Referes no passado dia vinte e um de Fevereiro que “… a melhor parte de escrever um livro é saber que fiz alguém perder a noção do tempo…”. Que sensações um livro precisa de provocar em ti?
CG – Sensação de leveza e despreocupação, sensação de que não existe mais nada à minha volta. Sou só eu e aquelas personagens, num lugar qualquer que estou a visitar pela primeira vez.
FA – Um sonho que gostarias de ver realizado ainda este ano de 2020?
CG – Prefiro falar de objetivos. E, por acaso, prende-se com livros. Espero ver o meu segundo romance terminado, revisto, aprovado pelo meu “grupo privado de pré avaliadoras” e, se correr bem, editado. (Para voltar à Dama de Copas em Fevereiro de 2021).
Contacte-nos já e peça o seu orçamento sem compromisso.
Telf.: +351 916 894 653
Francisco Azevedo: francisco.azevedo@focalpoint.pt
Pedro Fonseca: pedro.fonseca@focalpoint.pt