Não preciso de grande esforço para me recordar dos domingos solarengos no Comendador, quase sempre na companhia de pessoas amigas e acompanhado pelo meu pai, nos longínquos anos 80 e 90. Lutar por algo que é nosso não é difícil nem penoso. O que torna penoso neste caminho que chamamos vida em sociedade são as pedras que vão surgindo. Recordo-me bem da tarde de 20 de Maio de 2018 que aqui retrato a preto e branco… As palavras soam até hoje no meu pensamento “hoje fecha-se um ciclo e dá-se-ia início a uma nova era”.
Depois de um almoço em família, eis que me encontro no enrugado Estádio Comendador Manuel de Oliveira Violas para o fotografar uma última vez. O sol apareceu no céu e homens como Lito Gomes de Almeida e dezenas de espinhenses genuínos assistiram numa outra dimensão a um jogo eternamente marcado pela emoção do adeus. Prometi a mim mesmo que não me emocionaria, ao fim e ao cabo a minha posição enquanto fotógrafo é “apenas” a de registar com luz a alma da gente. No estádio desconhecemos – a não ser que estejamos atentos ao relógio no pulso – dos minutos que faltam para o final da partida. Não temos cadeiras, não temos bar nem sala de imprensa mas temos algo que nos distingue de tantos clubes – e muitos deles vizinhos – a mística, a paixão, a entrega de um desnorteado. As palavras “Não Desistimos” / “Onde tu vais, eu vou…” ecoam nas bancadas, sobem os degraus já gastos e partidos da bancada do lado do mar e da bancada paralela onde se vê o Atlântico.
Aqui todos são iguais, não há cativos, não há camarotes! Já foi o tempo do conforto e do bar ao intervalo. A senhora que vendia peixe não perde uma partida, grita com jogadores, treinador e até com Bernardo, uma cópia de rosto de Lito. Aqui, no velhinho, crianças correram no relvado outrora pisado pelos seus ídolos, estabeleceram-se parcerias, eternizaram-se paixões em beijos roubados numa tarde de desporto. Depois, um rumar a casa munidos de uma fogaça e de raivinhas da Pá Velha ou de uma Bola de Berlim da Aipal, memórias essas que me levam a um sentimento de saudade dos domingos em que vários jogos decorriam à mesma hora, um rádio a pilhas que cabia no bolso, as mesmas histórias mas em diversas sintonias. Domingos esses que eram um voltar a casa, e ligar para casa dos avós a perguntar como estavam.
Chegar em cima da hora a uma reportagem é chegar atrasado. Senão… como teria eu tido a oportunidade de fazer uma imagem de uma bancada a encher? Tudo foi pensado e preparado ao pormenor, as tarjas, os balões em tons da casa, a música, as bandeiras e cachecóis. Passeei pelo relvado, de norte a sul e à memória vem-me a imagem do dia em que nos sagrámos campeões e subimos um degrau, mas ainda estamos longe do que queremos. Jogar em casa emprestada, o velhinho ainda de pé a fugir do tempo com rugas jamais saráveis. O que é o futuro se não tivermos presente, o que é o passado se não tivermos um espaço onde mostrar as glórias. Continuamos a ter o rótulo de únicos na Europa do voleibol! Recebemos o Porto, o Sporting, o Benfica, os muros serviam de banco para tardes de jogo que não voltam…
O dia 20 de Maio de 2018 fica marcado por um passeio ao intervalo e ali em tantas partes já fechadas ao público as palavras de Desnorteados! “NUNCA DESISTIMOS!”. Somos uma cidade que à semelhança de outros povos que fazem do mar um modo de vida habituamo-nos às adversidades, ao mar picado, às madrugadas de nevoeiro cerrado, a elevar alto a voz para dar a conhecer o peixe fresco. Somos uma cidade que merece o sonho! Somos uma cidade que vive há muito tempo de Rainha da Costa Verde! Somos gratos a quem nos dá voz! Nunca nos esqueceremos dos rostos que nos cortam asas e nos fixam ao chão com medo que voemos mais alto!
Cabe ao futuro e a quem se diz “Ser Espinho”ter a humildade e atitude para que a realidade do clube volte a ser de uma tarde de sol! Uma vez tigre… para sempre tigre!
Espinho tem uma estação onde ainda pára o Vouguinha, comboio histórico que traz pessoas todos os dias oriundas de São João da Madeira e Oliveira de Azeméis. A estação já não oferece as condições de outrora.
Ao lado direito da imagem pode vislumbrar-se as obras de requalificação do canal ferroviário, obra da autoria do Gabinete de Arquitetura RDLM em parceria com Francisco Mangado – arquiteto basco. A linha é unitária, os comboios esperam um pelo outro sensivelmente a meio da viagem (Paços de Brandão).
A passagem para a zona piscatória e muito característica de Espinho faz-se por um corredor temporário onde se vê ainda a bancada (lado este) do Comendador Manuel de Oliveira Violas. Esta zona da cidade está a ficar claramente na moda com vários restaurantes em que o prato forte é o peixe e marisco. Ainda se vive da arte xávega.
As obras de requalificação decorrem a um passo acelerado, sendo visível já a pala que servirá para concertos e outros eventos culturais. O estádio ficará na memória de todos os espinhenses. Atualmente, a equipa (Sporting Clube de Espinho) joga no campo do Fiães, que está localizado a aproximadamente 8 quilómetros. Os adeptos chamam-se Desnorteados e acompanham o Espinho em vários estádios.
Os cafés sempre frequentados por pessoas da cidade e não só. A Casa Zé Grande tornou-se numa espécie de ponto de encontro quando o Sporting Clube de Espinho jogava no “velhinho”. O seu presidente – Bernardo Gomes de Almeida – é um cliente assíduo bem como os sócios antes dos jogos e no intervalo.
Da antiga fábrica de conservas Brandão Gomes pouco resta: a antiga chaminé vermelha, a fachada e a estátua da varina a apontar para o nome. Atualmente existe um Fórum de Arte e Cultura de Espinho onde se organizam exposições, conferências num auditório. Desde o meio do ano corrente que existe um Espaço Cidadão.
A autoria da obra pertence ao espinhense Carlos Nuno Lacerda Lopes, o FACE como é conhecido – tem um espelho de água onde se realizam alguns concertos e serve de apoio à esplanada. No edifício estão algumas instituições e uma escola de bailado – Isabel Lourenço. O espaço está ao cuidado de um historiador que conhece bem a cidade de Espinho – Armando Bouçon, que é também responsável pelo serviço de Cultura e Museologia do Município.
A pesca continua a ser praticada quase de forma artesanal, agora já não têm apoio dos bois, atualmente os barcos são puxados por tratores que deixam as suas marcas na areia. A praia é várias vezes palco de aglomerado de turistas que assistem a esta arte.
Os barcos têm todos nomes relacionados com Espinho e com as suas personagens bíblicas. O número de companhas diminuiu mas as que existem fazem questão de sair ao mar o máximo de vezes possível. No verão chegam a fazer quatro viagens por dia. O recolher das redes é um dos pontos altos. Uma visita obrigatória com câmara. Os pescadores são pessoas afáveis, simpáticas e não se importam que alguém as fotografe, mas evite fotografar sem pedir autorização.
Quando não estão no mar (e quando regressam) passam horas ao sol a arranjar as redes, a confraternizar no bar “O Pescador” muito apreciado pela comunidade local. Ao fim-de-semana há karaoke e boa disposição. Os apoios de pesca foram dados pelo executivo em funções e na altura com o presidente da junta de freguesia de Silvalde – Marco Gastão.
Nem sempre estão com companhia. Há “artistas” que preferem o silêncio e o sossego para arranjar os seus equipamentos.
A oportunidade que tivemos de conhecer alguns pescadores – fruto também da forma de estar na fotografia – foi-nos possível conhecer alguns números que nos deixaram espantados, como por exemplo a extensão das redes e a distância que as cordas percorrem mar adentro. São recolhidas e colocadas em pequenos montes junto aos apoios. Nesta zona estão também alguns barcos, este com o nome “Douro”.
A comunidade local utiliza a fonte solar para secar a roupa, o que permite sempre umas fotografias engraçadas.
Esta passagem é também utilizada pelos pescadores para arranjar as redes que quando saem do mar sofrem alguns cortes. A maioria dos pescadores sabe fazer o seu arranjo mas alguns recorrem às mulheres quando estas se encontram a estender a roupa.
A ligação das pessoas do mar aos animais é um dos pontos que marcam esta passagem por Espinho. Os cães, por norma sem raça definida vivem a vida em harmonia com os da mesma espécie e é frequente encontrar os pescadores a passear e a mimá-los ao sol.
A sombra criada entre os edifícios em madeira – de apoio à pesca – dá para criar imagens a preto e branco com algum simbolismo. Aqui dois pescadores auxiliam-se nas redes já secas.
Texto e Fotografia
Francisco Azevedo
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Francisco Azevedo: francisco.azevedo@focalpoint.pt
Pedro Fonseca: pedro.fonseca@focalpoint.pt