O que chama a atenção do público num vídeo ou num áudio é a colocação de voz, a postura, a naturalidade, o sorriso. E algumas vezes – intromissões de felinos – depois uma montanha de livros e a capacidade de nos fazer viajar pelas palavras de autores consagrados e outros pura (e simplesmente) desconhecidos. Já dei por mim a comprar um livro sugerido pela Roberta, e não me arrependi. Contactá-la foi mais do que um objectivo, não só por falarmos a mesma língua mas por partilharmos paixões inexplicáveis, como o Porto.
Roberta Frontini nasceu no sul de Itália, no paraíso da pasta, do risotto, da doce Julieta. Com formação na área da psicologia e investigadora na área da Saúde, Roberta lançou há quase uma década o projecto FLAMES_MR com uma amiga. Baterista nos tempos em que não se deleita por palavras de Agatha Christie ou Tânia Ganho (de quem leu o último “Apneia” e adorou) e é uma adepta dos nasceres do dia no Alentejo, por onde passou este verão de 2020. Por vezes viaja ao Porto para matar saudades (ah! sim, e levar mais um livro para a sua vasta biblioteca).
FA – Roberta, o que fica de um livro? A primeira frase, o primeiro acontecimento marcante ou a última palavra?
RF – Cada livro é único. Não saberia responder. Há livros onde o que me toca é a escrita. Noutros a história… depende muito.
FA – Apaixonada pelas letras desde cedo, ou foi uma paixão que surgiu com o avançar da juventude?
RF – Desde cedo. Provavelmente a culpa é da minha mãe que sempre leu muito. Por outro lado, também me lembro do meu pai me ler (e inventar) algumas histórias. Tenho vídeos meus onde ainda não falava, com livros na mão (virados de pernas para o ar!!) e eu a ler (a inventar sons na verdade) em voz alta.
FA – Em algumas fases dos livros (fruto da tua formação) defines um perfil mais pormenorizado da personagem que o autor?
RF – Sim… acho que sim. Não é bem um perfil, mas quando aparece uma personagem com uma perturbação mental é comum eu escrever alguns dos critérios de diagnóstico de lado. Mesmo que a personagem não tenha um diagnóstico definido eu costumo sublinhar e colocar de lado o nome da possível perturbação /ou o sintoma.
FA – De todos os autores que admiras, a qual gostarias de fazer duas perguntas difíceis?
RF – Talvez ao Charles Dickens e à Agatha Christie, mas já não o poderei fazer nesta vida (sorrisos!)
FA – É mais difícil ler um livro complexo ou explicar a paixão pelo Porto?
RF – Boa questão (sorrisos!), não sei bem porque a cidade do Porto mexe tanto comigo. Acho-a linda, e as pessoas são maravilhosas!
FA – Se fizermos uma passagem (atrás no tempo) que Roberta vês numa moldura da cómoda da avó?
RF – Fotos de uma menina sempre sorridente mas com um olhar tímido…
FA – Com raízes em Itália, que sensações experimentas numa cidade como Verona?
RF – Eu nasci no sul da Itália, por isso todas as minhas viagens ao norte (Verona, Milão, Brescia, Bergamo, etc.) me deixaram um pouco… insatisfeita (tirando Veneza). Por exemplo, em termos de comida, fiquei um pouco desgostosa. Mas Verona foi uma agradável surpresa até…
FA – Leva-nos agora ao filme “Letters to Juliet”. Partirias numa aventura como a doce Sophia?
RF – Olha, esta pergunta lembrou-me a minha ida a Verona. Na altura em que fui a Verona foi inserido numa viagem que fiz com o meu pai ao norte de Itália. Não estava estipulado irmos a Verona. No avião meti um filme ao acaso e calhou o “Letters to Juliet”. Passado uns dias os amigos onde estávamos hospedes perguntaram se queríamos ir a Verona e eu disse logo que sim. Foi muito interessante estar na cidade depois de ter visto o filme. Mas respondendo à pergunta… claro que sim!
FA – Numa viagem por Itália, que obras te acompanhariam?
RF – Sou uma exagerada, quando vou de viagem levo imensos livros. Tenho o terror de ficar sem nada para ler. Mas quando vou a Itália geralmente não levo nenhum e vou comprando. Na minha última ida lá descobri os livros de Andrea Camilleri que, na minha opinião, devem ser lidos em italiano. O dialeto siciliano, a cultura, as comidas, e a atmosfera de mistério que os livros impregnam são aspetos maravilhosos. Um outro livro que acho adequado é “Pictures from Italy” de Charles Dickens que nada mais é do que um diário das suas viagens por algumas das cidades italianas mais importantes.
FA – O primeiro livro é como o primeiro amor? Não se esquece?
RF – Não… o primeiro livro não se esquece, sem dúvida! Lembro-me como se fosse hoje das sensações que senti com o meu primeiro livro! O primeiro amor já esqueci (sorrisos!).
FA – Perdes-te por uma série da Netflix ou trocavas facilmente por um conjunto de livros de autores que admiras?
RF – Perco, mas troco facilmente! Claro!
FA – No YouTube (entre as montanhas de livros apresentados) mostraste uma Graphic Novel de Anne Frank, fazendo uma viagem no tempo em que leste pela primeira vez. Há livros que voltarias a pegar?
RF – Sim… há imensos livro que eu gostaria imenso de reler. No entanto: “So many books, so little time”. Posto isto, devo dizer que estou a reler alguns livros da Agatha Christie e do Charles Dickens, e releio todos os anos “O Principezinho” (ultimamente tenho relido em outras línguas para variar um bocadinho).
FA – Aguardar por um livro e depois achar a sinopse bem mais interessante que o conteúdo, que sentimentos te invadem?
RF – Pois… publicidade enganosa… fico um pouco enraivecida, e é por isso que tento não as ler.
FA – Deste alguma importância à “polémica” de J.K. Rowling no que se refere à Livraria Lello e que afinal de contas não conhecia e nunca lá tinha estado?
RF – Não. Acho que há coisas bem mais importantes para se discutir nos tempos que correm.
FA – Numa maratona literária, o que é mais incomodativo? As mensagens no WhatsApp ou uma dor de cabeça?
RF – (sorrisos!) as perguntas incessantes que algumas pessoas fazem e que estão explicitamente explicadas nas regras. Bastava lerem as regras.
FA – Do projecto de entrevistas “O teu FLAMES num ano 2019” que conversas foram mais fáceis de conseguir?
RF – Adoro o projeto “O teu FLAMES num ano…”. Espero voltar a fazer em 2020. Não consigo nomear uma pessoa, mas gostaria de dizer que às vezes os autores/personalidades que achamos mais “inacessíveis” são os mais “fáceis”.
FA – A barreira de um milhão de visitas teve um sabor especial?
RF – Confesso que não porque eu sou extremamente despistada com estas coisas.
FA – Que principais entraves encontraram no início do projecto Flames?
RF – Chegar a mais pessoas. No início as redes sociais estavam a começar… por isso aumentar o número de seguidores era difícil. Lembro-me que passamos muito tempo com 6 seguidores…
FA – Na rúbrica “Lembram-se?” conseguimos ver que nem sempre a fama é uma coisa boa. Que história marcou mais?
RF – Tenho de repescar essa rúbrica. É das minhas rúbricas favoritas. Faz-me procurar e pesquisar coisas e faz-me ficar nostálgica. Acho que a história que me marcou mais foi a do “menino da Kinder”.
FA – Que voz convidariam para uma leitura encenada de poesia ou um conto?
RF – Uma pessoa que já faleceu… a minha voz favorita no mundo inteiro: Alan Rickman.
FA – Da esfera dos blogues, quais marcaram? E dos que fecharam, alguns disseste em silêncio “ainda bem…”?
RF – Nunca senti “felicidade” por algum blogue ter fechado… Na esfera dos blogues houve uma altura em que havia muita competitividade. Mas depois quando comecei a integrar-me na comunidade booktuber tive o sentimento contrário e acabei por esquecer um pouco isso. Os booktubers são muito mais simpáticos (desculpem a honestidade). Um blogue de que gosto particularmente é o “Livros e Papel” da Inês. Gosto muito dela.
FA – O silêncio para a leitura ou uma seleção musical distinta?
RF – Silêncio! Gosto demasiado de música e isso distrai-me.
FA – “Se eu pudesse…” – o que te vem primeiro à cabeça?
RF – Passava a vida a ler (muito óbvio, mas foi sincero).
FA – Um livro já foi o mote para um amor?
RF – O mote não… mas sem dúvida que tiveram um papel fundamental 😊
FA – Um dia perfeito tem literatura, Itália e um pedaço de Porto?
RF – Sem dúvida. E música. Mas queria aproveitar para dizer que estas férias tive o privilégio de conhecer melhor o Alentejo, e está a ganhar um espaço importante também no meu coração 😊
FA – Obrigado 🙂
RF – Obrigada eu!
José Correia Guedes nasceu na cidade do Porto em 1946, e fez dos céus o seu “local” de trabalho. Apaixonado por automóveis não conseguiu cumprir o sonho de menino de ser piloto de Fórmula 1, mas confessa ter tido um êxito interessante como músico de rock & roll com a Banda “Os Kondes” que contava entre outros rapazes com Fernando Gomes que viria a tornar-se Presidente da Câmara Municipal do Porto. Embora apaixonado pela área das letras e Humanidades, o seu percurso académico passou pela Engenharia, a música, a paixão pelos automóveis continuaria a captar mais a sua atenção. Foi mobilizado para África durante dois anos e quando regressou tentou a sorte inscrevendo-se na TAP, depois de ser “bombardeado” com a publicidade de uma cadeira do cockpit “Este lugar pode ser ocupado por si”. Na altura, a Transportadora Aérea Portuguesa não dava vazão a tantas deslocações e precisava de pilotos. Inscreveu-se também para Comissário de Bordo e foi aí que começou a viajar e a conhecer o mundo. Rumou aos Estados Unidos da América onde fez o curso do piloto e esteve praticamente quarenta anos em trânsito. Foi sequestrado, escreveu dois livros “Na Rota do Yankee Clipper” e “O Aviador” onde reune 20 histórias com finais cómicos e felizes, uma obra para aerofóbicos. Os que conseguem “voar sem medo” tornam-se viajantes compulsivos. Transportou a equipa do FCP em 2004 trazendo a taça para o Porto. Foi o primeiro comandante da aviação a mudar o “callsign” de um voo para “CHAMPS”. São muitas histórias, e que poderão saber um pouco mais! Quanto a nós, foi uma honra voar consigo, Comandante José Guedes!
FA – Caro José Correia Guedes, de todos os preparativos para uma viagem, quais até aos dias de hoje considera indispensáveis?
JG – Quando trabalhava, era o repouso. Agora tento não me esquecer dos medicamentos!
FA – Numa recente entrevista a Rui Unas no seu podcast “Maluco Beleza” disse não ter saudades de voar. Recorda-se da última viagem como Comandante?
JG – O meu último voo foi do Rio de Janeiro para Lisboa. Aterrei ao nascer do dia debaixo de uma enorme tempestade. A chuva e o vento eram de tal forma intensos que só nos últimos instantes consegui ver a pista. Uff, que alívio!
FA – Quando alguém novo lhe pede conselhos para uma carreira serena na aviação, que guidelines consegue dar?
JG – Penso que nestes tempos que atravessamos já não há “carreiras serenas”. A receita, porém, é sempre a mesma: estudar muito, conhecer bem o avião, respeitar os colegas.
FA – A primeira viagem como piloto é como o primeiro amor, não se esquece?
JG – Lembro-me do primeiro amor, mas não da primeira viagem como piloto. Mas lembro-me muito bem da primeira vez que voei sozinho num avião de treino. Essa é que nunca se esquece.
FA – As noites em claro são o pior da vida de um piloto?
JG – Não! Os fusos horários fazem muito mais estragos. De resto, até gostava de voar de noite.
FA – Como é tomar o pequeno-almoço em casa e três horas depois (sensivelmente) almoçar numa capital como Paris?
JG – Qualquer passageiro pode fazer isso. Com a aviação, o mundo ficou muito mais pequeno.
FA – Viajando atrás no tempo, houve algum tempo em que se tenha arrependido da escolha que fez?
JG – Nunca. Eu não escolhi nada; tive a sorte de ser escolhido. A minha gratidão será eterna enquanto viver (esta roubei ao poeta Vinicius).
FA – É uma das vozes mais cativantes que já tivemos oportunidade de ouvir e um contador de histórias nato. Alguma vez foi convidado para fazer um anúncio publicitário?
JG – Sim. Fiz alguns anúncios na década de 80. Eram muito bem pagos e eu divertia-me com aquilo.
FA – É um confesso apaixonado por música, literatura e viagens. Que livro sugere para uma viagem entre Lisboa e Nova Iorque?
JG – Posso recomendar “O Aviador”? Em alternativa sugiro “Na Rota do Yankee Clipper”, do mesmo autor (Não há entrevistas “à borla”, sabia?)
FA – Voltando aos tempos de meninice do Porto e Vila do Conde, que sonhos tinha o menino José?
JG – O menino José queria ser músico de rock and roll e, mais tarde, piloto de Fórmula 1. Consegui ter uma carreira minimamente interessante como músico, mas falhei estrondosamente o objectivo da Fórmula 1.
FA – Alguém com uma ligação especial ao Porto, como descreve o desafio proposto do chefe de frota para levar o A-330 até Gelsernkirschen?
JG – Era um A340. Uma proposta irrecusável. O Porto é a minha cidade natal e o FC do Porto o único clube de futebol de que fui sócio. Além disso, algo me dizia que aquele podia ser um momento histórico. Foi mesmo!
FA – Tem de memória quantos ilustres levou às nuvens?
JG – Não faço ideia. Transportei centenas de milhares de passageiros de todos os meios e condições sociais. Para mim sempre foram iguais. Eram apenas pessoas que tinha temporariamente a meu cargo.
FA – Estar a trinta e cinco mil pés de terra firme, fá-lo ter uma ligação especial com Deus?
JG – Pensei muitas vezes nisso, em especial durante as longas viagens nocturnas. Olhar para a vastidão do Universo e não entender nada do que por lá se passa, levanta questões angustiantes.
FA – Os programas televisivos que abordam os desastres aéreos são (a seu ver) um programa proibido para os aerofóbicos?
JG – Não, de todo. Acho apenas um paradoxo que alguém que tem medo de voar se divirta a ver programas sobre acidentes aéreos. Mas já me disseram que essa é uma forma dos aerofóbicos justificarem os seus medos. Faz sentido!
FA – A melhor forma de vencer um medo é combatê-lo. Que conselhos dá a quem o contacta e que adorava conhecer um paraíso como a Madeira?
JG – O medo de voar é irracional e não se combate com estatísticas. Têm que ser as pessoas a vencer os seus próprios medos. Costumo dizer que ter medo é um bom sinal: é o nosso instinto de sobrevivência a funcionar. Conheço casos de pessoas que uma vez vencido o medo de voar se transformaram em viajantes compulsivos. Os psicólogos sabem explicar o fenómeno.
FA – De todos os aeroportos em que esteve, qual o mais confuso? E o mais moderno?
JG – Confuso? Lisboa, em pleno verão. É o caos absoluto. Nos mais modernos escolheria o Dubai.
FA – Num voo turbulento, o que é para si pior ter: um passageiro em pânico ou uma assistente de bordo inexperiente?
JG – Nunca me aconteceu ter uma Assistente de Bordo com medo de turbulência. Tratando-se de passageiros, às vezes uma visita ao cockpit resolve o problema.
FA – Se pudesse voltar atrás no tempo, que pergunta faria ao Almirante Gago Coutinho e a Sacadura Cabral?
JG – Como conseguiram localizar os penedos de S. Pedro e S. Paulo no meio do Atlântico? Com a tecnologia da época, isso não foi uma façanha, foi um prodígio. Têm toda a minha admiração.
FA – Depois do momento do sequestro nos anos 70/80, que momento intenso não esquece?
JG – Gelsenkirchen foi um deles. Uma viagem à Austrália para levar tropas para Timor, foi outro. E mais alguns que não posso contar.
FA – Como se sente por ter sido o primeiro comandante a fazer uma alteração no “callsign” do voo “TP9224” para “CHAMPS”?
JG – Um orgulho muito grande. Às vezes tenho boas ideias.
FA – Como está a ver o regresso do futebol aos estádios sem público?
JG – Futebol sem público é como cozido à portuguesa sem carne. Não tem a mínima graça.
FA – Ainda no mundo do futebol, em 1983 que lhe disse Eusébio da Silva Ferreira a caminho de Roma?
JG – Está tudo bem por aqui, pá?”. O King detestava voar e só no cockpit se sentia seguro. Ainda bem para nós, porque era uma fantástica companhia.
FA – A revista “Sirius” é a menina dos seus olhos?
JG – Não, mas tenho muito orgulho em ter sido um dos fundadores e o primeiro director adjunto.
FA – O “Piratinha do Ar” continua a dar notícias?
JG – Sim, falamos de vez em quando. Gosto de acompanhar os sucessos que vem tendo na vida.
FA – Fernando Gomes teve tanto êxito nos “Kondes” como na Câmara Municipal do Porto?
JG – “Cantava” melhor na CM do Porto porque não tinha de me aturar. Penso que foi ele que deu início à enorme e muito bem sucedida transformação da cidade do Porto, hoje uma das mais bonitas e interessantes da Europa.
FA – Num podcast ligado à aviação, que três pessoas convidaria para uma hora e meia de conversa?
JG – Comandantes Silva Soares, John Casqueiro e José Gil Menezes. Infelizmente já nenhum se encontra entre nós. As três personalidades mais fascinantes que conheci em toda a minha carreira na aviação.
FA – Uma noite ao piano corresponde a uma viagem transatlântica?
JG – Uma noite ao piano é uma noite de paz e elevação. Não chegamos ao fim cansados e com as horas trocadas.
FA – O Porsche 356 tem histórias para fazer um novo livro?
JG – Já fiz. Existe uma História dos Porsche 356 em Portugal que escrevi em colaboração com Luís Sousa. Está online.
FA – Para terminar, e sendo o Comandante José Correia Guedes uma pessoa ligada à área das Humanidades e das Letras, que poema guarda na memória?
JG – “Quando morrer quero voltar para viver os momentos que não passei junto do mar”, Sophia de Mello Breyner.
FA – Se um fã lhe oferecesse uma viagem para dois à escolha, que destino escolheria?
JG – Costumo ter azar. Há muitos anos, numa tômbola de golf, ganhei um fim-de-semana no Funchal. Na altura viajava umas 50 vezes por ano para a Madeira e conhecia a cidade como as minhas mãos. Troquei com alguém que tinha ganho uma subscrição de um jornal inglês. Ficámos ambos felizes!
FA – Obrigado por esta conversa!
JG – Foi um prazer.
Podem seguir o Facebook e o Instagram que tem histórias e imagens deliciosas em:
https://www.facebook.com/cptguedes/
Nasceu em 1986, na cidade da Maia, romântica, perfeccionista, apaixonada pela natureza e naturalmente pelos livros. Formada em Engenharia Eletrotécnica e Marketing, trouxe ao mundo aos trinta e três anos o “Esquece Quem Eu Sou”. Não a quisemos esquecer e foi com sabor a café e vista sobre o mar que se desenrolou a agradável conversa que agora disponibilizamos. Somos vizinhos e praticamente desconhecíamos, mas há algo que nos une: a criação do zero de uma personagem Rita e de um Ian que prometem fazer sonhar. É apaixonada pela cidade do Porto, fã de Miguel Araújo e quer virar a página na oferta literária “com bolinha vermelha” em Portugal. Sem mais demora, para o Sílabas & Silêncio a primeira conversa de 2020!
(Francisco Azevedo/FA) – Catarina, obrigado teres aceite esta conversa. Se o dia oito de fevereiro fosse um perfume, que aroma teria?
Catarina Gomes (CG) – Frésias.
FA – Deste vida à Rita e ao Ian. Como começou esta viagem literária?
CG – Esta viagem começou em outubro de 2017, num dia comum de férias de Outono em que não havia nada de interessante para fazer. Tinha acabado de ler uma série de romances eróticos ou New Adult, já que eram todos traduzidos, e fui à procura do mesmo estilo escrito em português. Não encontrei nada e não percebia porque é que ninguém escrevia nesse estilo. Então, pus-me a folhear os livros que tinha lido, pensando: “isto são cerca de 300 páginas, não é assim tanto… Ok, eu sou capaz”. Foi assim que nasceu o meu primeiro livro, da vontade de ler mais, e criei esta história para mim, para eu ler. E da vontade de representar um género literário que, em Portugal, é totalmente dominado por autoras americanas e do Reino Unido. Já não escrevia desde a adolescência, a não ser conteúdos científicos!
FA – Recentemente, no Facebook partilhaste um poema – um intemporal de Fernando Pessoa. O amor, para ti é “fogo que arde sem se ver…”?
CG – Quem me dera conseguir pegar nesse poema e reescrevê-lo, sob a minha interpretação. É algo que arde sem se ver, sim, mas não um fogo… é algo mais lento, mais ponderado.
FA – Barbara Walter diz que uma boa pergunta é aquela que a nossa mãe nos ensinou a nunca fazer. Que boa pergunta fizeste hoje? Ou nos últimos dias? Tens sempre resposta para uma pergunta que não gostasses que te fizessem?
CG – Na realidade, não há perguntas desconfortáveis para mim. Além disso, sou demasiado impulsiva, para ter uma resposta treinada.
FA – Determinação e ambição são características da Rita. Em que momentos te revês na personagem principal?
CG – Em todos! Mas, enquanto a Rita é determinada, eu diria que posso ser um pouco “obstinada”, para meu próprio mal.
FA – A Rua de Sá da Bandeira e a “Dama de Copas” têm mais valor para ti desde o dia oito?
CG – Sem dúvida! Tenho um carinho enorme pela Dama de Copas, pelas pessoas que lá trabalham e pela Inês Basek, Margarida Furst e João Coimbra. O dia 8, em Sá da Bandeira (Porto) e o dia 14, em Santa Justa (Lisboa), foram apenas mais um passo que demos juntos, numa jornada onde sinto que eles estão sempre ao meu lado.
FA – As viagens são cruciais para depois no sossego do lar criar uma personagem e viajar por outros mundos?
CG – “Esquece Quem Eu Sou”, baseia-se muito nas minhas vivências na cidade do Porto, aos dias de hoje. Mas, sim, novos lugares ajudam imenso a criar novas personagens e interação entre elas, nesses mesmos locais.
FA – Um romance que “… possui todos os ingredientes para nos envolver…”? Que traços da Rita transportas de forma inconsciente para o teu dia-a-dia?
CG – A sua determinação e perseverança, indubitavelmente. E, aproveito a pergunta para abordar outro tema. A Rita é muito segura, não tem medo de perseguir os seus sonhos, não tem vergonha de dizer o que sente, nem de si mesma. De certa forma, julgo que a maioria dos romances ainda apontam uma mulher insegura e dependente do amor de um homem ou de outra mulher para se afirmar. A Rita não é nada disso! E, subtilmente, quis passar, precisamente, essa mensagem. Todas as mulheres têm direito ao amor, independentemente do seu aspecto físico, da sua profissão, das suas ambições, etc… Acho que é esse o ingrediente que nos envolve. A mulher moderna irá rever-se na Rita; a mulher “antiquada”, quererá ser como ela.
FA – Que livro “com bolinha vermelha” mexeu mais contigo?
CG – Curiosamente, um que tem “bolinha vermelha” literal na capa, mas que não chega aos calcanhares de vários que li que não têm essa marca visível, mas que mereciam. Chama-se “Confia em mim”, de Jennifer Armentrout, uma autora que, na minha opinião, escreve sempre bem, independentemente do estilo.
FA – Em “Todo o azul do mar” há uma passagem que diz “… Foi assim, como ver o mar. A primeira vez que os meus olhos se viram no seu olhar. Não tive a intenção de me apaixonar. Mera distração e já era tempo de se gostar…”. É indissociável o mar do amor?
CG – Esse poema é lindo (olhinhos com corações). Apesar de gostar de alguma poesia, não sou nada poética, pelo contrário, sou muito literal. Portanto, não vejo qualquer relação entre ambos. As pessoas adoram exprimir o amor sob a forma de coisas belas, como o mar, o céu, o universo… sempre em escalas megalómanas! Apesar de adorar a natureza, prefiro descrevê-los através de bens terrenos e vulgares, como “gelatina”, “meias quentes”.
FA – Apaixonada pelas letras desde cedo. Quantos livros tens em casa?
CG – Espera, vou contar! Impressos, 89. O meu problema é não ter uma estante, tenho-os espalhados pela casa.
FA – Passando agora um bocadinho pela arte & ofício da escrita. Preferes o silêncio ou a mesma música?
CG – Silêncio!
FA – Assusta uma página em branco?
CG – Nada! Quer apenas dizer que é hora de começar a escrever!
FA – Criar uma obra do zero nunca é fácil. Que processo não prescindes / levaste em conta para o “Esquece Quem Eu Sou”?
CG – Vou batizar, agora mesmo, um processo de escrita. Chama-se o “processo do prazer puro” de viver noutra casa, noutra cidade, com outras pessoas, frequentar outros lugares.
FA – Foram quantos meses de escrita?
CG – Estás-me a envergonhar, Francisco! Escrita, propriamente dita, e construção da história, cerca de 15 dias com paragem para comer, banho e pouquíssimas horas de sono. Entrei na história de uma maneira que ainda hoje não sei como fui capaz! Depois, precisei de cerca de 1 ano, para limar tudo e dar um fim à história.
FA – A Rita, o Ian, o amor, as incertezas, os cenários… Quanto tempo povoaram a tua cabeça? Já depois do ponto final?
CG – Ainda povoam! 🙂 Adoro aquelas duas personagens, afinal vivi com elas mais de um ano e foram as primeiras.
FA – Não sais de casa sem um livro. Que livro estás a ler? Recomendas?
CG – Estou a ler “O Poder Surpreendente das Ideias Absurdas” e, sim, recomendo, para quem tem receio de sair da caixa, de vez em quando.
FA – As booktubers são muito populares no mercado brasileiro, mas aqui em Portugal há poucas. Quem segues?
CG – Honestamente, nenhuma, ainda. Só há poucas semanas, comecei a dar os primeiros passos no Instagram e conheci algumas bookstagrammers. Penso que ainda temos muito para crescer nesse campo, e, a respeito disso, talvez tenha novidades em breve. 🙂
FA – Se este livro (bonito design da capa!) tivesse uma banda sonora, que dez temas incluirias?
CG – Dez, Francisco!?
– Who are You? – SVRCINA
– Close – Nick Jonas ft. Tove Lo
– Elegy for the arctic – Ludovico Einaudi
– How would you feel – Ed Sheeran
– Antes delas dizer que sim – Bárbara Tinoco
– Tonto de ti – Miguel Araújo
– Hurt for me – SYML
– You – Two Feet
– Fleurie – Breathe
2 Notas
CG – Tenho de aproveitar para dar os parabéns e registar um “Obrigada” ao Gonçalo Cardal Pais, da Emporium Editora, que foi quem desenhou a capa. Não sei o que se passou na cabeça dele, mas é a janela para a história do livro, sem sombra de dúvida, e é a minha cara! Segunda nota: Miguel Araújo, porque o considero um músico e poeta brilhante e porque é da nossa cidade, e que bem que ele a descreve!
FA – Referes no passado dia vinte e um de Fevereiro que “… a melhor parte de escrever um livro é saber que fiz alguém perder a noção do tempo…”. Que sensações um livro precisa de provocar em ti?
CG – Sensação de leveza e despreocupação, sensação de que não existe mais nada à minha volta. Sou só eu e aquelas personagens, num lugar qualquer que estou a visitar pela primeira vez.
FA – Um sonho que gostarias de ver realizado ainda este ano de 2020?
CG – Prefiro falar de objetivos. E, por acaso, prende-se com livros. Espero ver o meu segundo romance terminado, revisto, aprovado pelo meu “grupo privado de pré avaliadoras” e, se correr bem, editado. (Para voltar à Dama de Copas em Fevereiro de 2021).
Fez do foyer do Cineteatro António Lamoso a sua sala de estar. Desprotegido(s) de engenharias de som do século XXI, Renato Ferreira e David Eusébio levaram as largas de dezenas de pessoas por uma viagem sem sobressaltos ou feedbacks e estenderam a noite em amena cavaqueira com os amigos e curiosos que – apesar da chuva e frio – encheram as cadeiras do renovado espaço cultural no centro da cidade. Conheci o Renato há vários anos e pontualmente bebemos um café entre os livros na FNAC do Gaia Shopping, portanto a presença naquela noite era – além de uma honra e um privilégio – uma oportunidade de ouvir um amigo actuar em casa. Conheço bem a sensação de bem-estar por tocar num edifício do nosso concelho, e para o Renato não foi excepção. O David viajou de Leça da Palmeira e foi também um regresso aos tempos musicais de TAF. Trouxe consigo um Ukelele da Ortega e a “eterna menina dos meus olhos” Martin.
1 – Renato, obrigado por teres aceite o convite da Focal Point para um balanço, não só do concerto no António Lamoso mas também para falar um pouco sobre a tua carreira. Uma vida sempre ligada às letras?
– Muito obrigado, Francisco, por esta entrevista e pela tua presença no concerto de apresentação do álbum “3” no Cineteatro António Lamoso, no passado dia 20 de novembro. Respondendo agora à tua pergunta, direi que não. Não estive sempre ligado às letras. Às letras de canções sim, sempre me senti ligado a elas e desde novo que tentei construir as minhas. Mas se quisermos dividir o mundo em letras e/ou números, tenho que me lembrar do meu percurso escolar: antes de me dedicar às letras dediquei-me aos números também. Até aos 20 anos de idade estudei mais matemática, física e química do que propriamente português ou história. Aos 20, tendo mudado de Engenharia Mecânica para Ciências da Comunicação, é que diria que começou a minha relação mais próxima com as letras…
2 – Sendo a escrita de canções uma arte, ela é exponencial a quanto – sendo escrita em português!?
Sendo escrita em português a canção fica mais próxima de mim. Isto porque é a língua que utilizo diariamente para entender e ser entendido. Por isso diria que, apesar de considerar arte a escrita de canções em qualquer língua, a maneira de me colocar mais exposto perante quem me ouve – e haverá certamente vantagens e desvantagens em me colocar mais exposto – é compondo em português. Essa exposição é um despir mais acentuado porque utilizo a mesma matéria-prima que utilizo quotidianamente para me dirigir ao outro. Dominando mais o português do que qualquer outra língua, é natural que a minha expressão seja superior compondo em português, conseguindo com isso uma maior amplitude de temas e palavras para descrever seja o que for que a canção pretenda transmitir.
3 – Como vês o panorama da música que passam actualmente nas rádios em Portugal?
Temos muitas rádios a passar música distinta. Isso é bom porque assim cada um escolhe o que quer ouvir, mediante o seu gosto. Eu sou ouvinte regular de rádio e, quer se queira quer não, é um veículo fundamental para dar mais ou menos (ou nenhuma) projecção a um cantautor ou grupo. É um dos principais filtros que decidem o que se ouve em termos musicais no país. São elas que põem a maioria das músicas na cabeça das pessoas levando-as a cantar essas músicas posteriormente em concertos, num ciclo musical que eu não critico. Pelo contrário, apoio, uma vez que a alternativa – não existir esse ciclo – seria bem pior. Mas a música não vive só nas rádios, claro, e hoje em dia cada um pode construir, enquanto ouvinte, o percurso que bem entender no fruir musical…
4 – A escrita de uma letra de canção nasce em que circunstâncias? Em frente ao computador, numa mesa de um café, no trânsito…?
No meu caso, tem surgido quase invariavelmente em casa, quando estou sozinho, e primeiro na cabeça simplesmente. Começo normalmente uma canção com uma frase-chave, à qual dou uma melodia que a acompanhe, e a partir daí a coisa nasce, quando nasce. Mas nunco me autodetermino a fazer uma canção. Elas aparecem assim quase sem avisar. E eu, quando elas teimam em aparecer, simplesmente abro-lhes a porta.
5 – Que autores não dispensas ler? E já agora, achas que um curso de escrita criativa é a bóia de salvação para o futuro das canções?
A tua pergunta leva-me a dois universos em princípio distintos: ao da literatura e ao da música. Felizmente, para mim, esses dois universos não vivem em salas fechadas um para o outro. Há entre eles comunicação, obviamente. Para responder com exemplos concretos à tua pergunta, tenho mesmo que dizer que não dispenso ler Paul Auster, Javier Marías, Jonathan Franzen, Enrique Vila-Matas ou o Jonathan Coe… Mas como podes reparar, nenhum deles canta (que eu saiba) aquilo que escreve. Mas esses são os autores que eu não dispenso ler. Também há autores que eu não dispenso ouvir: o Bob Dylan, o Leonard Cohen, o Pedro Abrunhosa, a Mafalda Veiga ou a Márcia…entre muitos outros. Quanto aos cursos de escrita criativa, acho que podem ser positivos, claro. Mas nunca como imposição de um estilo a alguém mas simplesmente como forma de partilha de experiências para que cada um consigo encontrar o seu caminho, a sua forma e estilo de fazer a própria obra…à sua maneira…
6 – O Cine-Teatro António Lamoso recebeu-te de braços abertos, como se da tua sala de estar se tratasse. Que balanço fazes desta noite acompanhado pelo teu amigo David Eusébio?
Faço um balanço positivo, sem dúvida. A minha perceção diz-me que correu bem e o feedback que recebi de quem esteve presente leva-me a acreditar que consegui atingir o objectivo. Apresentar o “3” e ao mesmo tempo fazer com que os presentes pensassem que valeu a pena a ida ao Cineteatro António Lamoso era o objectivo. Espero ter conseguido. O facto de ter contado com o profissionalismo, a entrega, o saber musical e a simpatia do amigo David Eusébio foi para mim uma alegria imensa e um contributo indispensável para esta minha apreciação positiva.
7 – Apresentar um álbum ao mundo é um risco. Que momentos foram só teus neste percurso?
Essencialmente os momentos de criação das músicas. Esses são os momentos mais individuais a partir do qual tudo nasce. Depois desses momentos vem todo um percurso de conjugação de vontades, estilos, agendas e trabalho em equipa. Depois do trabalho de criação das músicas – que para mim tem sido um trabalho solitário, de uma solidão boa que eu procuro ter de vez em quando para meu próprio bem – vem o processo de produção e gravação em estúdio. Nesta fase seguinte, tendo contado eu com a colaboração preciosa de vários talentosos músicos, entre os quais os produtores Luís Ribeiro e Bruno Violas, quase direi que apresentar este álbum deixa por isso de ser um risco, mas simplesmente um prazer – uma vez que o entusiasmo e o carinho do caminho para o fazer tem tanta importância do que o que dirão dele posteriormente. Embora, claro está, se gostarem dele mais contente fico…
8 – Antes de apresentares os temas do teu mais recente trabalho #Três fizeste uma viagem aos anteriores projectos / composições. Olhando para trás, mudarias algo na carreira?
Acho que não. Só se for talvez a questão de poder ter começado mais cedo a gravar as músicas em estúdio. A maioria das músicas dos meus três trabalhos de originais foram feitas em 2006/2007. Só em 2012 é que decidi ir para estúdio. Mas isso teve a ver com um processo natural, diria eu, de decisões de rumos de vida a tomar em cada etapa da nossa caminhada. Decisões essas que nem sempre são lineares, fáceis e claras de tomar. Fiz o que fiz, está feito. Não há volta a dar. Não se pode voltar atrás. Há que lidar com as consequências das nossas próprias escolhas. Isto não quer dizer que eu esteja arrependido. Sou apenas eu a analisar o meu passado à luz do presente. E olha que nem chamaria isto de carreira. Sou apenas eu a mostrar canções que faço de vez em quando…
9 – Que influência teve Adriana Calcanhoto neste trabalho? Conta-nos um pouco da experiência com uma das maiores divas da composição brasileira.
Concretamente, a primeira música deste álbum novo foi feita no âmbito do curso “Como escrever canções”, na Universidade de Coimbra, com a Adriana Calcanhotto. A querida professora Adriana pediu-nos para apresentarmos um tema na última aula do curso e foi exactamente a “Hoje vou fazer uma canção” que eu lá apresentei. Foi uma alegria imensa poder “beber” um pouco da forma como a Adriana vive a música. Foi sem dúvida uma inspiração para o meu próprio percurso. Estarei sempre agradecido a ela pela forma aberta, carinhosa e próxima com que lidou comigo e com os meus colegas de curso. A dinâmica que ela conseguiu criar na turma foi espectacular, principalmente pela postura dela: de partilha de experiências mais do que ensinar de forma rígida fosse o que fosse. Até porque não há – que eu saiba – fórmulas mágicas…
10 – Depois de “Estou no top!” uma viagem com os ouvintes atentos de avião, mas confessaste ter medo de voar. É uma tentativa de libertar dos fantasmas?
É um facto que tenho um medo tremendo de voar. Sim, talvez tenha feito esta canção – a “Piloto de Avião” – com a esperança de que me impulsionasse para outros “voos”… Mas isto comigo tem sido assim: o medo de voar – literal e metaforicamente – está a ser largado aos poucos… Por acaso a letra da música começa com dois sítios onde já estive e depois vai por aí fora num roteiro magnífico que ainda posso vir a fazer…
11 – Para quem esteve no concerto, a letra “A minha espera acabou” foi das letras que mais me ficou na memória. Queres contar como foi o processo deste tema? Nasceu de rompante ou passou por um processo de construção demorado?
Essa música, a “A minha espera acabou”, surgiu como resposta a mim mesmo… O primeiro álbum chama-se “À espera…” e há uma canção que se chama assim, e eu achei, a certa altura, que estava na hora de parar de esperar e de ir…por aí…em busca… Então fiz essa letra para falar desse ir, desse buscar incessante, do partir em busca do que se quer. É curioso porque a dicotomia esperar/não esperar está presente em outra canção minha – a “Terra de ninguém” – onde eu canto: “Onde está o encanto, do que sonhamos ser/ às vezes não sei, se hei-de esperar ou correr”. Ou seja, há momentos de indefinição, por vezes, da melhor postura a ter, se a de esperar ou de simplesmente ir. Talvez haja um tempo para tudo. Em relação ao processo de construção, essa foi feita de uma só vez e rapidamente (como a maioria das minhas músicas). Há canções cuja letra vou fazendo mais lentamente, depois de um esboço inicial na minha mente, mas essa “apareceu-me” já completa.
12 – Na música, consideras que há um lugar só para ti? Qual é a tua “praia”? Em que registo te sentes mais confortável?
Quer na música quer seja no que for, acho que há um lugar só para mim e para toda a gente. É uma questão de irmos paulatinamente construindo esse lugar através do caminho que percorremos. A minha “praia” é ir-me descobrindo. Sem grandes balizas de definição e rótulos, ir fazendo na música o percurso que fizer mais sentido a cada altura. Quer seja tocando sozinho ou acompanhado, com mais um músico ou com banda completa, quer seja country, rock, pop ou folk…o mais importante para mim é que as músicas que componho não percam, quer em estúdio quer ao vivo, a essência que eu quis para elas no momento da criação…
13 – O tema “Follow The Stars” nasceu há muitos anos e terminaste recentemente. Consideras mais fácil passar uma mensagem em inglês ou em português?
Sim, essa música, a “Follow the Star”, foi feita a partir do século passado. Digo “a partir” porque parte dela (a melodia completa e metade da letra) foi feita na minha adolescência – para aí em 1997 ou 1998 – e terminada depois já recentemente, tendo em vista a inclusão dela neste álbum. Foi uma parceria entre o meu “eu” adolescente e o meu “eu” mais atual. Quanto à facilidade de passar a mensagem em inglês ou português, direi que para mim o grau de dificuldade (ou facilidade) existe em qualquer língua. Considero-me, atualmente, um cantautor que compõe músicas em português e que apenas ocasionalmente consegue expressar-se melhor utilizando o inglês. Apenas isso…
14 – “Hoje vou fazer uma canção… uma que começa com um refrão…” que disse a Adriana sobre este tema?
Pelo menos ela a mim disse-me (e a turma também) que gostou… E eu quero acreditar que isso é verdade (ehehehehe)… A reacção na sala, na altura, foi positiva. Essa é uma canção que fala do próprio processo de criação. “Hoje vou fazer uma canção” pareceu-me um bom mote para uma música feita no âmbito do curso que fiz com a Adriana. Mas acho que ela ainda não ouviu a versão em álbum, gravada em estúdio. Mas vou, no princípio de 2020, entregar-lhe um exemplar do CD. Depois saberei se ela gostou do que fizemos da canção…
15 – Quem esperas que “fique aqui para sempre…” ?
Eu, por exemplo. Não me importava de ficar aqui para sempre. Mas sendo isso impossível, quero que fique toda a gente (incluindo eu) o mais tempo possível nesta bola a que chamamos de planeta Terra e nesta caminhada a que chamamos Vida. Essa frase é da canção “Vem, amigo, vem”. Ela começa com “Eu vou ficar aqui para sempre/ Muito embora agora me lembro tenho de ir”. Que é uma constante da vida: ora ficamos, ora vamos, ora esperamos, ora partimos. Sempre, desejavelmente, tendo em vista alcançarmos o melhor para nós. E o que é “melhor” difere de pessoa para pessoa, filosofo eu, o que torna tudo isto mais diversificado e interessante.
16 – O ritmo dos blues surgiu no tema “Vem, amigo vem!”. Que influências da área não dispensas?
É curioso porque tocámos essa música de maneira diferente da maneira que ensaiámos. Tudo porque me apeteceu trocar as voltas ao David Eusébio e começar a tocar a música de uma forma mais lenta. Só a partir da metade é que fui para o registo que está no álbum. Pareceu-te blues? É suposto, talvez, digo eu que percebo pouco disto, entrar numa de bluegrass… Mas olha, nos blues propriamente dito acho que nem tenho grandes referências ou influências. Mas acho que é toda a gente, porque toda a gente vai beber ao blues, quer seja na sua forma mais pura quer seja transformando-o em outros géneros que dele nasceram… Não sou, contudo, a melhor pessoa para falar dos géneros musicais. Não tenho conhecimento suficiente para dissertar sobre isso. Quando me perguntam que tipo de música faço, eu respondo simplesmente que é música ou então respondo mais rebuscadamente que é country/pop/rock/folk…
17 – Achas essencial guardar histórias na memória?
Sem dúvida que sim. Aliás, é com elas que vamos sobrevivendo e vivendo. É a nossa própria história que trazemos sempre connosco que nos permite enfrentar o presente. A nossa narrativa de nós mesmos é o que nos faz reinventarmo-nos a cada instante. E conforme diz a minha canção “Tenho uma história”, é com ela que passo todo o deserto e faço o caminho certo, mesmo que por vezes esse caminho seja o da fuga. Embora, opino eu, a fuga, quando ocorre, deve ser sempre para nos distanciarmos do que não nos faz tão bem… Ou, pela positiva, para buscarmos o que entendemos ser melhor para nós…
18 – O dueto com a Denise Machado “Pedaço de céu” apresentada apenas com uma guitarra levou-me ao “Carta” dos Toranja. A beleza da música enquanto produto está na sua simplicidade?
O dueto com a Denise, no álbum, tem mais instrumentos. Mas no concerto sim, toquei-a sozinho porque foi daquelas que não estavam no alinhamento e apeteceu-me cantar naquela altura. As minhas músicas nascem da simplicidade. Pelo menos eu vejo-as assim, porque elas surgem – letra e melodia – de um simples expressar-me através de canções. Mas é fugidio tentarmos definir o que é simplicidade, porque isso também pode variar de interpretação para interpretação, consoante o ouvinte fruidor da obra. Se simplicidade é ter apenas um instrumento a acompanhar a voz, a “Terra de ninguém” é a mais simples das músicas deste meu álbum. Ou então a “O meu mundo és tu” que só tem um piano e as vozes. Mas lá está, em termos de letra elas até podem ser mais complexas do que outras… Acho que nisso cada pessoa receberá o que ouve de diferente maneira, consoante a sua personalidade, gosto e até momento de vida pelo qual está a passar…
19 – Um dos desafios lançados pela Adriana Calcanhoto foi sobre escrever sobre um amor não correspondido. São uma “mais valia” vivê-los para escrever letras do estilo Lupicínio Rodrigues? Por exemplo ele tem um tema que começa assim: “Felicidade, foi embora…”
Na primeira aula que fui no curso com a Adriana ela falou-me desse desafio de escrever uma canção tendo como tema o amor não correspondido. O que aconteceu foi que, apesar do exercício ser um trabalho de grupo, nesse mesmo dia da minha primeira aula, à noite, em casa, não me consegui conter e esperar pelo encontro com os meus colegas de grupo e fiz uma canção tendo como base esse tema. É claro que depois fiz outra juntamente com os colegas de grupo para apresentar à Adriana, mas o que é certo é que “ganhei” ali mais uma canção para mim. Essa canção chama-se “Porque é que não vais à bola comigo?” e não foi gravada em estúdio neste álbum. Mas é uma hipótese séria para o futuro caso eu grave um quarto trabalho. O cenário é o liceu e fala desse amor não correspondido. É claro que é uma letra que tem dados ficcionados, mas sim, é baseado também em factos verídicos. O amor não correspondido anda por aí à solta…e às vezes apanha-nos… Deve ser o cupido que só consegue acertar com a flecha numa pessoa e não nas duas…
20 – “O meu mundo és tu” foi apresentado naquela noite fria de Novembro no António Lamoso. Teres amigos talentosos a trabalhar contigo é um bem precioso. Que qualidades não dispensas numa pessoa?
Acho que nesse aspecto queremos todos o mesmo. A entrega com boa-fé nas interacções que vamos tendo. Isto no geral, na vida como um todo. Na música em particular, penso que é o mesmo, talvez. Desde que haja entrega com boa-fé, as coisas vão se fazendo e as amizades vão se consolidando, felizmente. Sem pressas, sem pressões tirando as obrigatórias e com espírito positivo. Esta foi provavelmente a pergunta mais difícil de responder, Francisco… E para a próxima tens que me perguntar também quais são os defeitos que não dispenso numa pessoa…eheheheheh…
21 – Terminaste a noite com a música do “Amigo”. A quem dedicaste em silêncio tais palavras?
A todos os amigos, efectivamente. Utilizando frases e ideias da letra dessa canção, citando-me e parafraseando-me, diria mesmo que: o amanhã vai nos trazer novos amigos por fazer, mas os de outrora nunca vão embora, a nossa história há-de se ouvir, de persistir, resistir…nunca vai cair… A música “Amigo”, que também é uma séria possibilidade para um futuro álbum (se ele vier), fala disso mesmo. Dos novos amigos que se vão fazendo – e cada ser humano é um potencial amigo -, sem nunca esquecermos daqueles com quem construímos uma história em comum. Porque são essas histórias, que guardamos nas memórias, que nos fazem permanecer sãos – por um simples recordar – em tempos turbulentos, cinzentos e menos certos…
Entrevista: Francisco Azevedo
Imagem: CineTeatro António Lamoso
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