É possível morrer de amor? Perguntei eu uma vez! Não! Nunca ninguém morreu disso! Nem mesmo Inês? Aí, fez-se silêncio. Silêncio, a palavra que marca o início da noite no idílico cenário do Castelo.
Mas podemos morrer por amor à arte? Ao teatro? À esperança no futuro melhor? Se sim, Inês e Pedro provaram-no! Pedro fez finca pé ao pai por se ter apaixonado pela dama de companhia de Constança. Foi amor à primeira vista, e tal como o primeiro (e verdadeiro) não se esquece. As Décadas de Sonho, empresa e companhia de teatro especializada em espectáculos históricos, em estreita parceria com o Município de Santa Maria da Feira e a Comissão de Vigilância do Castelo, protagonizaram nos dias 1, 8 e 15 uma recriação que fez esquecer os tempos em que vivemos.
Arregaçaram as mangas, deram as mãos, estabeleceram sinergias e quem ficou a ganhar foram os espectadores, que rumaram àquele lugar. Além de estarem no espectáculo cumprindo as medidas impostas pela Direcção Geral de Saúde (máscara e distanciamento social), eram recebidas por uma vasta equipa que realizou um trabalho notável, (desde logo), o fluxo de circulação controlado, deixando assim de lado o cenário de aglomerados, e cada pessoa que entrava era-lhe feita a leitura da temperatura. As escadas em pedra, calcadas pelo tempo e pela histórias são percorridas por pequenos grupos. Ao chegar ao anfiteatro, (já com o palco e as luzes avermelhadas nas torres) jovens donzelas (vestidas à época) de voz terna e bem colocada acompanhavam aos lugares previamente reservados.
A música convidava ao recolhimento, à melancolia dos amores de outros verões. Quem não perdeu oportunidade de estar presente no segundo dia (8) foi Emídio Sousa – Presidente da Autarquia – que acompanhado de sua esposa, mostrou ser seguro visitar a Feira e participar nos seus eventos em tempo de pandemia. Embora se tenha procedido ao adiamento da viagem medieval, o Município não quis esquecer o evento e apoiou algumas iniciativas (designadamente gastronómicas e pequenos espectáculos). Risco teria sido não levar a cena esta peça, tão bem conseguida pela “Décadas de Sonho”, habituada a criar (e recriar) a história nos mais diversos cenários, mas a receptividade e auxílio do Município e da Comissão de Vigilância do Castelo foram preponderantes para o sucesso.
O certame – com duração aproximada de uma hora e trinta (sem intervalo) – segue os trilhos da história, intercalando momentos de ternura, com diversão (como são os treinos de espada de Pedro e António), das danças tradicionais às orientais, às lutas entre guerreiros nos patamares superiores laterais (o que “Obrigava” o espectador a fazer parte de um todo) ao fogo.
A mim (sem qualquer dificuldade) ecoam (em distintos momentos) três poesias diferentes, mas nas quais deveríamos sentir orgulho. Desde logo com as estrofes que Luís de Camões dedicou à doce Inês:
Estavas, linda Inês, posta em sossego
De teus anos colhendo o doce fruito…
Depois, as palavras de António Zambujo, quando canta:
Sonha um dia amar assim
Por um beijo, num banco de jardim
Mas o amor não é para qualquer um
Ser artista, não é uma vantagem
Os artistas amam um dia
Vendo o amor, apenas de passagem
E depois por Ruy Belo:
Inês morreu e nem se defendeu
Da morte com as asas das andorinhas
Pois diminuta era a morte que esperava
Aquela que de amor morria cada dia
Um momento que não passou de todo despercebido e gerou até grandes aplausos foi o momento em que em palco estava apenas Constança e Inês. A voz de Constança entoando uma melodia / letra bela (embora de sofrimento) arrancou arrepios. A doce Inês permanecia imóvel em segundo plano mostrando diversas emoções. De resto, o elenco soube viajar e transmitir os mais nobres dos sentimentos. E é isso que distingue a cultura do resto.
Esta viagem por “Pedro e Inês – O amor proibido” tem um desfecho diferente da “história”, Inês reaparece em cena viva e é coroada rainha, levando a corte a beijar-lhe a mão, vestida num tom branco que assentava na perfeição. A última dança de Pedro e Inês é a recriação no paraíso, ambos de branco e o tão esperado “juntos até ao fim”.
Texto: Francisco Azevedo
Fotografia: Francisco Azevedo & Pedro Fonseca
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Francisco Azevedo: francisco.azevedo@focalpoint.pt
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