À semelhança do que aconteceria com um reconhecimento pela voz de Artur Agostinho, o homem que lidou de perto com Mikhail Gorbatchov aquando da sua visita a Portugal, viajou até à cidade de Espinho para uma conversa em dois actos com os alunos do Ensino Secundário no Agrupamento de Escolas Manuel Gomes de Almeida. José Milhazes falou mais de duas horas com jovens no âmbito da disciplina de História. A iniciativa de nome “À conversa com…” decorreu no Auditório organizado pela equipa da biblioteca, e com a colaboração da Academia de Música de Espinho na pessoa do professor Jonas Pinho que acompanhou ao piano a aluna Inês Romeira do 7º 1. Estiveram presentes oito turmas: sete do ensino secundário e uma do nono ano.
O autor aproveitou para falar dos seus livros e a editora disponibilizou alguns títulos para os que têm o hábito da leitura: cinco títulos:
Antes de um resumo do que fora a manhã de ontem num anfiteatro bem composto por alunos interessados e respeitadores do silêncio, passaremos a uma breve apresentação sobre o autor: José Milhazes é filho de pescadores, nasceu na Póvoa do Varzim a dois de Outubro de 1958. Um dia sonhou ser padre mas acabou por desistir quando encontrou o amor da sua vida. É jornalista, historiador e tradutor. Correspondente da LUSA, da RDP e SIC em Moscovo.
A viagem começou por uma leitura de excertos do último livro “Os Blumthal” uma obra que escrevera contra a vontade de sua mulher, visto que se trata de um estudo aprofundado da avó materna nos campos de concentração nazi. A palavra traduzida para português é “campo livre”. José Milhazes viveu a maior parte da sua vida no estrangeiro o que lhe permite sempre ter uma visão do nosso país de uma forma que nós – os locais – não conseguimos. Falou sobre história, sobre a importância da história para que as situações mais delicadas não se repitam.
Rabilsbruck foi o maior campo de concentração nazi para mulheres, maioria dos irmãos não sobreviveram, familiares foram fuzilados. A mulher de José Milhazes é anti-comunista e ele – conta em tom de brincadeira – que no dia do casamento soube do pensamento que toldava José lhe passou pela cabeça não casar. Os filhos foram os maiores pontos de apoio para que o autor escrevesse e investigasse sobre o campo de concentração, as histórias lá vividas o que fez também com que a mulher ficasse a saber que o apelido da avó era outro.
– Todo este livro era dor… – confessa José Milhazes. O livro era visto pelos filhos como uma chamada de atenção ao mundo. Foi também durante a divagação sobre o seu trabalho como jornalista que recordou as viagens que fazia entre a Rússia e Portugal, imensas fronteiras e documentos que precisava ter em dia e em alguns países tinha que mostrar o passaporte duas vezes. Olhando para os jovens disse:
– Agora vocês compram um bilhete lowcost e vão beber cerveja a Praga que é a cidade mais bonita da Europa. Claro que ligam aos pais e dizem que vão a um museu.
Foi após uma gargalhada geral que José Milhazes falou sobre a degradação do nível da informação, os canais cada vez mais sensacionalistas, o jornalismo na hora, quase que chegam antes dos acidentes, dos homicídios. A comunicação social está doente e é muito difícil resolver nesta era da internet, em que existe demasiada informação. Há-que saber separar o trigo do joio, saber aplicar a metodologia da verdade, aos alunos convém saber e treinar o cruzamento de dados, a não acreditar logo numa notícia.
As pessoas tendem a acreditar cada vez menos nos jornalistas e nos políticos pelo que os 70% de abstenção do passado dia 26 de Maio não o espanta, mas considera uma vergonha. Os políticos são maus e não respondem por coisa nenhuma. As cobranças de impostos nas auto-estradas, em qualquer país do mundo o Ministro das Finanças demitia-se no próprio dia. José Milhazes refere também que defende o voto obrigatório a partir dos dezasseis anos. Disse ainda:
– Ou nos transformamos em cidadãos ou então alguém o fará por nós! Deviam aprender com o estrangeiro e votar em massa!
Sem História não há democracia e sem história não há memória, diz José Milhazes que a humanidade aprende pouco com a história e diz mais: “somos piores que os animais porque pensamos…”. Há princípios que devemos defender, e pediu aos jovens presentes para argumentarem, se não estiverem contentes com a situação tentem mudar. E em jeito de brincadeira disse:
– Antes de ir para a política vão trabalhar uns anitos! Temos que viver ativamente.
Foi dado também o pontapé de saída para o convite à leitura, a filha é uma leitora compulsiva, o filho nem por isso. Em Portugal apenas cinco autores vivem da escrita e diz mesmo que a literatura é imprescindível em qualquer ramo, desde o matemático a um historiador. José Milhazes foi o melhor aluno a Filosofia e a História porque estudou num seminário. Aprendeu a ler os jornais que a mãe comprava com uns meses de atraso (os que serviam para embrulhar os baús da comida dos pescadores).
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