Estas palavras ditas na inauguração da “Duas léguas de fé – in memoriam” no dia um de dezembro do ano passado ecoaram durante meses. Cada mês que decorria no calendário era menos vinte e quatro horas que me separavam de um abraço ao grupo de peregrinos da paróquia de espinho. Depois de um café no Conde – onde recordarei até à eternidade a minha primeira exposição – subi a rua até à igreja matriz com uma objetiva que me permitisse andar quase “despercebido”. Entrar num lugar sagrado já depois do sol se pôr, com vários peregrinos a saudarem a equipa de fotografia provocou um arrepio na alma. À distância de um clique um olhar penetrante, um olhar entusiasmado, um ar de uma pai preocupado, uma criança a dormir nos braços da mãe.
A promessa que lhe fizera não deixei que em algum momento a pudesse deixar cair em saco sem fundo, abdiquei de horas de descanso e de trabalho para uma reportagem que tinha por missão entrar no mundo de todos sem deixar de viajar no meu próprio, aquele que navego tendo por linha o horizonte e o futuro. A música que absorvia os sons da igreja repleta causaram lágrimas, arrepios e introspecções, alguém de lágrima dita “fácil” , eu chamar-lhe-ia de lágrima verdadeira. O padre Artur Pinto celebrou a eucaristia e fez uma surpresa aos peregrinos nas jornadas que se seguiram. Recordou palavras de incentivo e entregou aos cuidados e atenção de todos o padre Cláudio que não aguentou a emoção aquando da recepção dos cerca de trezentos e cinquenta peregrinos, Cruz Vermelha, voluntários de enfermagem e Fisio & Care.
Prometi que os acompanharia nas jornadas e cumpri. Desde a primeira hora em que os vi avançar na rua 20 em direção à Nacional n1 até ao Lugar da Iria. A primeira noite foi logo difícil com muita chuva até ao primeiro ponto de encontro, as Bombas da Cepsa na zona industrial de Ovar. Antes, pelos lados de Esmoriz ouvi por diversas vezes a palavra “bom dia” com um brilho no olhar e sorriso nos lábios de quem distribuía mantimentos e bebida. Logo ali , a poucos quilómetros de casa percebi a verdadeira família que constituíam. As horas seguintes foram passadas debaixo de chuva e o reencontro deu-se já em terras de Albergaria-a-Velha, com uma visita logo ao ponto de apoio e socorro aos peregrinos com o dr. Carlos Borges e a equipa de fisioterapia em funções a dar-me conta das primeiras situações, essencialmente a nível dos pés massacrados pela chuva que caíra até às primeiras horas da manhã. Foi também no primeiro ponto de paragem que tive a oportunidade de reencontrar peregrinos da última viagem e que fizeram parte do meu momento em “Duas Léguas de fé”. O grupo ouviu em silêncio num pavilhão repleto de sacos-cama, toalhas, sapatilhas, coletes amarelos numerados uma missa muito bonita pelos padres Artur e um auxílio de Cláudio. Dali a sensivelmente uma hora estávamos de regresso a casa com um conjunto de imagens que guardaremos eternamente.
Marcado estava o reencontro para quinta-feira numa terra à qual já não regressava desde os anos oitenta: Curia. A entrada nestas paragens tem por ponto alto o reencontro com um senhor local que faz questão de oferecer uma flute do seu espumante às peregrinas numa praça junto ao majestoso Hotel das Termas. O meu objetivo de reportagem era claro: acompanhar o mais possível, olhei o céu, senti umas pingas e rumei ao Pavilhão Gimnodesportivo de Antes (Mealhada) com um grupo simpático que me adoptou sem reservas. Diga-se em abono da verdade que foi assim com todos os peregrinos, organização e equipas de apoio. Conversei imenso naquelas duas horas de caminho com a Rita, que vive em Viseu, simpática, de sorriso fácil, era a sua segunda experiência e a primeira com o grupo de espinho. O segundo dia fica também marcado pela visita surpresa do padre Artur e uma missa improvisada, num espaço que não era muito grande para tanta gente.
Sexta-feira fica marcado pela chegada do calor e das temperaturas a causar alguns estragos e atrasos da comitiva, a começar na famosa subida após saída de Coimbra – Ponte de Santa Clara. A caminhada pelo IC 2 tem por norma ser mais amiga dos peregrinos e em vários momentos do troço uma das faixas de rodagem serve de passeio aos milhares que rumam ao santuário. Marcado que estava o encontro para Cernache acompanhámos elementos no itinerário e depois no pavilhão. Foi na sexta que assisti mais de perto ao trabalho das enfermeiras da Cruz Vermelha Portuguesa – Delegação de Espinho e da equipa de fisioterapia da Fisio & Care: a Andreia, o Adriano e o André, a dedicação, o esforço e a aplicação de terapêuticas para atenuar as marcas do alcatrão, e foi também aí que tive um contacto mais próximo com o sofrimento de uma peregrina aos cuidados da Andreia apoiada por uma amiga. “Chorar faz bem, liberta…”. O pavilhão em Cernache tinha boas condições de luz e espaço e um bar onde saíam bifanas, panados e cerveja fresca. Foi também nesta jornada que me impressionou o número de pessoas em busca de ajuda nas marquesas e mesas. Faz tudo parte do caminho, é tudo por uma questão de fé. Fui encontrando e revendo pessoas amigas: a Hermínia, o João, a Celina, o Quirino e sua esposa e o Beto.
A passagem a um novo dia foi também uma mudança tremenda de paisagem e acalanto do espírito. Depois de falharmos por duas ocasiões a saída para a estrada da mata que nos levaria a Igreja-a-Velha, a ajuda veio por telefone pelo senhor Mário Capela, reencontrámos depois o senhor Quintino que nos ajudou a estar nos melhores pontos. Passar aquele pinhal rodeado de silêncio, céu azul e esperança foi espectacular, devidamente identificadas com número acompanhei quatro amigas que me adoptaram em pouco tempo. Pela primeira vez nesta viagem senti o calor e o estar próximo do Santuário, ali é apenas já um “passeio” com pouco mais de vinte quilómetros até ao Santuário.
Chegar ao pavilhão depois de uma caminhada entre árvores e almoçar com a organização na cozinha um bom prato de feijoada e uma sopa de legumes. Acabaram por se juntar a nós a Ana, a Andreia, o Adriano e o André com desabafos em relação aos peregrinos mas nunca deixaram de sorrir. E foi neste quarto dia que encontrei uma peregrina que saíra de Espinho com voto de silêncio, só retirava o adesivo dos lábios para comer e beber, e quando precisava de apoio era por gestos.
O pavilhão tinha pouco espaço, e de acordo com o Dr. Carlos Borges o palco onde se encontravam as camas de fisioterapia e as mesas de apoio à enfermagem serviriam a posteriori de dormitório.
O reencontro estava marcado para o dia seguinte em Santa Catarina da Serra, lugar que teve início a reportagem das “Duas léguas de fé – In Memoriam”. O calor, as dificuldades inerentes a mais um dia de caminho atrasou a saída daquele lugar para o meio-dia, a viagem até Fátima foi feita em pouco mais de uma hora e quarenta minutos. Esta última etapa é marcante e o que se passou junto à Rotunda dos Peregrinos fez emocionar: depois de uma reunião entre organização, o senhor Manuel afirmou ao microfone estar nervoso com a notícia que teria para dar, o padre Cláudio estava sensivelmente a duas horas de Fátima e o lema “Começamos todos juntos, terminamos todos juntos” está no pensamento, pelo que a sugestão de aguardar pela comitiva (cerca de 12 pessoas a dar apoio ao padre Cláudio) foi aceite por unanimidade e com um coro de palmas.
Almoço livre na avenida que nos ligaria ao Santuário (Basílica da Santíssima Trindade) e o reencontro não poderia ter sido mais forte. Visivelmente emocionado e com os pés desfeitos, ninguém conseguiu conter as lágrimas. Às dezasseis horas como combinado rumámos à Capelinha das Aparições para entregar a rosa a N.ª Sra. mas antes – sensivelmente a meio do percurso já dentro do Santuário – o grupo de Peregrinos de Espinho preparara uma surpresa, a largada de balões em forma de terço, o que fez soar mais um coro de palmas.
A entrega da rosa e passagem pelas traseiras da Capelinha tem por norma ser um vendaval de emoções, risos acompanhados de choros e abraços. Ninguém fica indiferente, muito menos quem assistiu de perto às dificuldades. Dali até ao Centro de Estudos de Fátima ainda era uma distância considerável mas todos chegaram. E quando tudo levaria a crer que regressava a Espinho dentro de minutos uma chamada telefónica para casa e as palavras:
Bendita a hora em que pensei uma outra vez. Contactara o Santuário de Fátima – Gabinete de Comunicação na pessoa da Cátia Andrade – na quinta-feira e o mail de resposta chegou em poucos minutos afirmando a total disponibilidade para levantar a acreditação para o Jornal Maré Viva, só não sabia que teria o privilégio de umas horas mais tarde fazer o percurso da imagem a poucos passos da mesma. Foi também nessa mesma noite que percebi o que é sentir-me pequeno perante tamanha imensidão.
Entrámos na Capelinha passando pelo Posto de Socorro – um verdadeiro hospital dentro do recinto – e já com um sentimento de privilégio por estar a fotografar ao lado de pessoas como o Paulo Novais da Agência Lusa e a Patrícia Melo Moreira – vencedora do Prémio Estação Imagem 2018.
Fiz tudo o que me permitiram fazer e foi impossível esconder a emoção. Com o cansaço já a chegar pela hora optámos por não fazer a viagem de regresso a Espinho e aí encontrámos uma boleia fantástica: a carrinha do “Restaurante A Fidalguinha” que nos deixou no Centro de Estudos, arranjaram-nos colchão, almofada e cobertor. As despedidas e agradecimentos nunca são demais.
OBRIGADO GRUPO DE PEREGRINOS!
OBRIGADO ORGANIZAÇÃO!
OBRIGADO FISIO & CARE!
OBRIGADO CRUZ VERMELHA PORTUGUESA – DELEGAÇÃO DE ESPINHO!
OBRIGADO CASA “A FIDALGUINHA”
O João, se fosse vivo faria hoje dez anos. Talvez não seja pior fazer um delete das primeiras palavras e dizer: o João, hoje comemorou dez anos. Conheci-o num longo percurso pelos corredores do Instituto Português de Oncologia do Porto – IPO – em 2016 mas antes já ouvira falar dele pelo fotógrafo amigo Jorge Castro. Se não fosse o Jorge o João não teria tido a oportunidade de ser modelo. E que olhos ele tinha! Eram azuis, cor de céu e mar. A paixão pela vida era tanta e ajudar estava-lhe no sangue que todos os dias em que entrava naquelas portas envidraçadas exclamava a toda a gente:
– Ora bom dia para si também!
O olhar atento do João perante todos permaneceu intacto até o dia em que partiu, era uma criança que sorria ao invés de chorar. Quando se colocou a hipótese de voltar para casa decidiu por vontade própria voltar para junto dos seus e fazer tudo o que tinha previsto. À sua pediatra assistente que foi incapaz de conter a emoção durante a manhã de hoje no Auditório Azul do IPO do Porto, recordou o momento em que o João lhe disse:
– Um dia vou ser médico e vou ficar no seu lugar.
Conheci o João no corredor da pediatria, bem disposto, sorridente – claro! – e sem máscara. Semanas depois na televisão – TVI – a mãe dizia com esperança no olhar – se Deus quiser, para o ano estaremos livres do IPO. O João faz hoje anos e as madrinhas fizeram questão de vestir camisola branca e recordar os momentos do João, quer no hospital quer em casa. Criou o seu próprio consultório para livrar os seus das doenças e nunca desistiu. As enfermeiras, as educadoras, as auxiliares recordam-no agora em livro brilhantemente escrito pela Rita Soares. De voz embargada disse:
– O João foi um mensageiro. Despediu-se de toda a gente e fez o que quis.
Dos testemunhos mais emotivos foi o desta amiga do João. Recorda-se que um dia passou-lhe pelas mãos um livro entitulado “Nunca tive jeito para chorar” da mesma autora do “Desafio de uma criança com cancro” mas ela – diz – é para o que tem mais jeito. Acompanhou o João e os pais: o pai Herói e a mãe Coragem. Organizar um evento de apresentação do livro no dia de aniversário do João não é para todos e eles conseguiram-no. Foi bonito ver naquela sala médicos, auxiliares, voluntários e no fim todos cantaram os parabéns ao João. No dia em que se despediu de vez do IPO o João reparou que as cadeiras de rodas onde o colocaram eram velhas e pouco confortáveis. Pediu à mãe que escrevessem o seu livro, a sua história, a sua missão de oito anos na terra e com o dinheiro entregassem ao Instituto Português de Oncologia cadeiras novas.
– Viveu mais do que qualquer adulto com cem anos… Bem, cem anos estou a exagerar – disse uma das madrinhas.
O Instituto Português de Oncologia fez-se representar por um membro do Conselho de Administração, Dr. Ilídio. Falou sobre a instituição e como doentes como o João Pedro são um exemplo de coragem, assim como os pais que continuam a ter uma ligação próximo ao IPO.
A outra madrinha do João Pedro – nascido em Pedroso – Vila Nova de Gaia – optou por ler uma passagem do livro.
A pediatra assistente (orgulhosamente até ao fim) como diz no livro recordou o doente que teve pela frente, o caso era dos mais graves (abdomiossarcoma nas paredes do abdómen). “…O João tinha a elevada missão de nos fazer reflectir e sensibilizar para causas que vão para além das fronteiras que nos impomos. Estará, agora, nas nossas mãos, dar seguimento à missão do João Pedro…”.
Na imagem a médica – Ana Maia Ferreira que acompanhou todo o caso do João Pedro. Recorda uma criança corajosa, sorridente.
Os pais do João: Pedro a Ana – ou como os tratam – o pai herói e a mãe coragem fizeram questão de recordar o filho, aproveitando para ler uma passagem do livro. Um dos momentos mais marcantes da apresentação. Felizes os que o tiveram por perto. Ficará na memória eternizado em livro, cento e quarenta páginas de episódios que prometem não deixar ninguém indiferente. A nós… não deixou!
Um Abraço , João!
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