…O silêncio…
Doar um pedaço de mim à ciência! Porque não? O que serei anos depois de aparecer no painel que todos param na rua central da minha cidade? Não me assusta falar da morte, embora seja das que lida pior com a perda, com a ausência, com a incerteza de haver algo mais além… Choro por quem parte, mas haverá alguém a chorar quando decidir doar em vida algo que um acto de amor me presenteou?
Porto, tarde solarenga – ainda que fria – e do céu tons de azul. A umas centenas de metros da entrada principal do Cemitério de Agramonte, por entre campas esquecidas no tempo e no sentimento, a pedra e a lápide já gasta dos anos consecutivos de sóis e chuvas, um relvado bem cuidado, jovens estudantes de Medicina, familiares, docentes, autarcas, homenageiam quem partiu tendo deixado escrito que não queriam uma vala comum, um jazigo de família – tantas vezes deserto, apenas visitado com lágrimas nos dias dos fiéis – ou então um bando de cinzas atirados ao vento naquele lugar mais especial… Foram pessoas de carne e osso, que assinaram um documento que as colocaria num teatro anatómico de uma Faculdade de Medicina, no caso – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
– Porque terei eu necessidade de ir para um lugar se posso ajudar a formar melhores médicos? Não há dois pacientes iguais, não há dois fémur iguais.
A cerimónia levada a cabo pelo Unidade de Anatomia – Departamento de Biomedicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, teve ontem o seu terceiro ano de homenagem, uma iniciativa em estreita colaboração com a Câmara Municipal do Porto, onde em silêncio, com testemunhos, flores amarelas (cor do curso) se evocam todos os cidadãos que desde 1980 contribuem para que o Programa de Doação Cadavérica da Unidade de Anatomia do Departamento de Biomedicina da FMUP. Uma inscrição numa placa metálica diz:
“A ti, cujo corpo no seu repouso foi perturbado pelas nossas mãos ávidas de saber o nosso respeito e agradecimento. Homenagem à doação do corpo humano para ensino médico e investigação”.
Em notícia divulgada há praticamente um ano, as intenções de doação cadavérica cresceram significativamente, passando de 156 doações (em 2016) para 428 (Novembro de 2018).
A cerimónia contou com a presença da Prof.ª Dulce Madeira (Coordenadora da Unidade de Anatomia da FMUP), Prof. Francisco Cruz (FMUP) que substituiu Altamiro da Costa Pereira, Filipe Araújo – Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, Capelão do Serviço Religioso do Centro Hospitalar de São João, Beatriz Clement (em representação dos dadores) cuja mãe faleceu recentemente, Maria de Jesus Dantas (em representação dos estudantes de pós-graduação) e Ana Sofia Ramos (em representação dos estudantes de pré-graduação).
O certame de aproximadamente uma hora, teve momentos musicais, protagonizados inicialmente por uma violinista – aluna do primeiro ano de Medicina – e a finalizar pelo grupo de fados da Faculdade re-visitando “Verdes Anos” de Carlos Paredes e terminando com um tema original.
Terminado o processo de investigação / auxílio à educação, formação dos novos médicos na disciplina de Anatomia, os corpos entram em processo de cremação e as suas cinzas repousam no Cemitério de Agramonte. De acordo com a legislação em vigor, a intenção de entregar o corpo à ciência deve ser manifestada em vida, tendo para esse efeito – a FMUP um formulário que as pessoas podem preencher e enviar.
“… Somos todos parecidos, mas não somos todos iguais. Ensinar estudantes em pessoas reais e não em modelos é uma benesse enorme que só é possível graças ao acto de extremo altruísmo daqueles que optam por doar o seu corpo para a investigação científica…” – refere Dulce Madeira.
O prof. Francisco Cruz é sub-director da FMUP e foi em representação do director, o Prof. Altamiro Pereira.
Atentos e com algumas lágrimas a escorrer pelo rosto, estavam familiares e dadores. O jardim bem cuidado e a luz que espreitava pela copa das árvores deram ainda mais sentimento de proximidade com todos os que já partiram.
Quem também marcou presença foi Filipe Araújo – Vice-Presidente da Câmara Municipal do Porto, e com quem, de resto, a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (e em particular o Departamento de Anatomia) tem uma estreita ligação desde 2016. É graças à conjugação de esforços que os corpos já estudados passem por um processo de cremação (também na cidade do Porto) e depois depositadas no Serenarium.
José Paulo de Sousa Teixeira, natural de Marco de Canaveses sucedeu a José Nuno Silva na Direcção do Serviço de Assistência Espiritual e Religiosa (SAER) e é actualmente o capelão do Centro Hospitalar de São João (CHSJ) e teceu também umas palavras aos presentes sobre fé e o acto de amor de doar o corpo.
Enquanto um grupo de pessoas ouvia as palavras de José Paulo, o cordão humano no Serenarium se tornava mais intenso e coeso. Uma cerimónia marcada por silêncio, por olhares ao céu e à relva.
Cada tomada de palavra ou o seu términos não ecoavam palmas, era ainda mais uma oportunidade para introspecção e evocação de tamanha dádiva.
De todos os momentos, este foi sem dúvida (pelo menos para mim e para quem estava próximo) o mais próximo da dor e perda. Beatriz Clement perdeu a sua mãe há pouco mais de um mês por doença oncológica. Quis ser mais uma dadora do corpo ao teatro anatómico da Faculdade, que o seu caso fosse estudado e servisse para ajudar no futuro…
Seguiram-se palavras de Maria de Jesus Dantas – em representação dos estudantes de pós-graduação, e em seguida de Ana Sofia Ramos – dos estudantes de pré-graduação.
Graça Barros – escreveu no mural do Departamento de Anatomia as seguintes palavras que refletem na perfeição a dádiva:
Num gesto de amor universal
Desprendidos da matéria vulnerável,
À Ciência doamos, com humildade,
O que nos resta na viagem final.
Texto & Imagens: Francisco Azevedo
Informação contida no artigo: Site Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Sic Notícias, Facebook do Departamento de Anatomia.
Foi com um enorme respeito pelo meu “Ser”, que doei o meu corpo à ciência.
Aceito a morte física como uma coisa natural, claro que quanto mais tarde vier, bem melhor.
Muito mais haveria para escrever, mas fico-me por aqui com o meu “grito” Viva lá Vida
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